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O rombo nas contas públicas no governo Michel Temer

O rombo nas contas públicas no governo Michel Temer, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

déficit primário e nominal, Brasil: 2010-2017

 

[EcoDebate] A situação fiscal do Brasil é dramática e o presidente Michel Temer – para se sustentar no cargo durante 2 anos e meio – está comprometendo totalmente as finanças públicas e colocando o país na rota da falência e da inadimplência. O ex-vice-presidente que contribuiu para a deterioração fiscal, agora, como presidente, está batendo todos os recordes e gerando o maior rombo fiscal da história brasileira.

O gráfico acima mostra as contas públicas brasileiras conforme dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), WEO de abril de 2017. O superávit/déficit primário é o resultado do balanço da arrecadação, menos os gastos do governo, mas sem contabilizar os juros da dívida. Corresponde à geração de caixa do governo. O superávit ajuda a reduzir o endividamento. O déficit nominal acelera o crescimento da dívida pública. O conceito de déficit nominal inclui o déficit/superávit primário mais os gastos com o pagamento de juros. Quanto maior o déficit nominal mais rápido cresce a dívida pública.

Os dados são claros. O Brasil possuía superávit primário até 2013, sendo que o superávit foi de R$ 129 bilhões em 2011 e de R$ 91 bilhões em 2013. Mas em 2014, ano eleitoral, o superávit virou déficit primário de R$ 33 bilhões. Em consequência do aumento das despesas e dos juros, o déficit nominal cresceu assustadoramente de R$ 158 bilhões, em 2013, para R$ 344 bilhões em 2014.

Mas o que estava ruim ficou pior. Em 2015, primeiro ano do segundo mandato da gestão Dilma-Temer, o déficit primário foi para R$ 114 bilhões e o déficit nominal foi para R$ 616 bilhões (representando mais de 10% do PIB). Portanto, é falsa a alegação que o ministro Joaquim Levy provocou um austericídio. Na verdade, o ano de 2015 foi de grande recessão, grandes déficits e grande crescimento da dívida pública. 2015 foi um ano terrível.

Em 2016, o déficit primário cresceu mais ainda e o déficit nominal só não cresceu mais devido à queda da taxa de juros nominal (embora tenha tido crescimento da taxa de juro real). Depois de três anos muito ruins (2014-2016) – que marcaram a mais profunda e prolongada recessão da história do Brasil – esperava-se uma certa recuperação em 2017. Mas, se a variação do PIB não será tão negativa, as finanças públicas estão mostrando que a coisa continua feia.

O FMI estimava um déficit primário de R$ 159 bilhões e um déficit nominal de R$ 616 bilhões (conforme mostrado no gráfico). Mas a equipe econômica que prometia seriedade na gestão macroeconômica, está sendo vencida pelas ambições políticas da base aliada que está promovendo um verdadeiro “assalto” ao patrimônio público.

Como escreveu o jornalista Vinicius T. Freire, no jornal Folha de São Paulo (FSP): “Nesta terça (15/08), a equipe econômica anunciou um pacote desesperado a fim de corrigir a besteira e conter outras à espreita: a coalizão temeriana rasgou de vez a fantasia responsável depois da folia que manteve o presidente no poder. A casta burocrática e o estamento empresarial com amigos e representantes no Congresso hastearam as bandeiras piratas e planejam saquear o Estado quase falido. Parlamentares temerianos inventam gastos e rejeitam tanto aumentar impostos como votar remendos na Previdência. Planejam assim um colapso à moda do Rio de Janeiro, um modo de dizer apenas, pois o desastre teria outro feitio”.

Também na FSP, o ex-ministro da ditadura e ex-deputado, de linha conservadora, Delfim Neto, escreveu: “A semana passada foi triste. Revelou que boa parte da Câmara dos Deputados se recusa a entender a gravidade da situação nacional. Isso está gerando uma repugnância da sociedade para com a sua atividade, o que é prejudicial à democracia. Primeiro tivemos a reação intempestiva da Comissão Mista de Orçamento (CMO) aos vetos opostos à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2018. Logo depois, o resultado absolutamente indecente foi somado a um dispositivo de infantilidade estudantil apresentado pela Comissão de Reforma Política (CRP). Com relação à LDO, foi sancionada com 47 vetos. Atingiram dispositivos que aumentavam gastos. Por exemplo, permitir, nessa penúria, reajustes do Legislativo acima da inflação, que, combinados com o limite da despesa, consumiriam recursos de outras atividades mais necessárias, além de sugestões ”ad gustum” do populismo do qual o Brasil tenta se livrar. Alguns deputados acreditam que é o Orçamento que cria recursos. Infelizmente, o mundo físico é mais cruel: são os recursos que limitam o orçamento! ”.

O fato é que a política está vencendo a economia e o governo Michel Temer se mostra incapaz de cumprir a sua autodeclarada missão de recuperar as contas públicas e reativar a economia para diminuir o desemprego. Na realidade, aumentou o preço dos combustíveis, aumentou os déficits (primário e nominal), manteve as desonerações e subsídios, aumentou as benesses das emendas parlamentares e projetos de interesses partidários num ano eleitoral, propôs o novo Refis, pretende reduzir o ajuste do salário-mínimo, congelar o salário dos funcionários públicos, cortar gastos sociais, enquanto a previdência apresenta déficits insustentáveis. O povo e o meio ambiente estão sofrendo como nunca.

E além de tudo a Câmara Federal quer instituir um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões, com dinheiro público, para os parlamentares fazerem campanha eleitoral e mentir descaradamente para o eleitorado que é refém do sistema partidário e eleitoral e ainda tem que pagar a conta deste despautério. Michel Temer está comprometendo ainda mais as finanças para conseguir uma base mínima de apoio no Congresso e a sua base parlamentar está espoliando tudo que pode, enquanto o país agoniza. A oposição, enfraquecida e sem propostas para tirar o país da crise, só pensa nas eleições de 2018. O Brasil está no limbo, como no último ano do governo Sarney. A história se repete, como uma tragédia.

O IBGE informou que a taxa composta de subutilização da força de trabalho caiu de 24,1%, no 1º trimestre para 23,8% no 2º trimestre de 2017, mas ainda representava 26,3 milhões de trabalhadores desempregados ou subutilizados. A taxa de desocupação entre os jovens de 14 a 17 anos de idade ficou em 43% e entre os jovens de 18 a 24 anos ficou em 27,3%. Uma tragédia social que atinge a juventude, criando uma geração perdida e sem futuro. A “criança esperança” vai receber uma herança maldita.

O alto desemprego e a alta capacidade ociosa (fábricas paradas, lojas fechando, consumo em queda em relação a 2010, etc.) fizeram a inflação cair para nível abaixo da meta do Banco Central e possibilitaram um grande superávit na balança comercial. Isto tem evitado um choque externo e uma maior desvalorização do real. Mas as exportações brasileiras (fortemente dependentes de produtos primários e commodities) pode sofrer um baque com a crise internacional que se avizinha.

O eclipse do dia 21/08 nos Estados Unidos parece ser um sinal de um eclipse econômico, provocado por um eclipse político da democracia americana e agravado pelas atitudes absurdas do governo Donald Trump. Uma crise internacional nesse momento agravaria ainda mais a crise brasileira.

Mas uma coisa parece certa, independentemente das variações da conjuntura, o fato estrutural é que a dívida pública brasileira cresce de maneira exponencial e se aproxima de 100% do PIB, conforme mostra o gráfico, com dados do FMI. O atual governo (que começou em 2014) está comprometendo totalmente o futuro da economia brasileira. E o mais grave é que Michel Temer e o Congresso estão fazendo políticas que prejudicam a maioria da população, favorecem uma minoria, e estão reduzindo os investimentos que poderiam reduzir o desemprego. Assim, Temer (e sua base no Congresso) está colocando o Brasil no caminho dos piores dias da tragédia grega.

 

dívida pública brasileira - % do PIB

 

Devido ao crescimento da dívida pública e ao desequilíbrio entre receitas e despesas o próximo governo (2019-2022) vai conviver com déficits primários e baixo crescimento da economia. A agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) colocou a nota de risco soberano do Brasil em observação negativa. O chamado “creditwatch”, com viés negativo, é um alerta de curto prazo para um possível rebaixamento rating e reflete o aumento da incerteza relacionada aos eventos políticos recentes e aos constantes casos de corrupção.

Desde que Michel Temer assumiu a vice-presidência no início da atual década (01/01/2011), o Brasil começou uma trajetória de declínio e sofrimento. Mas o que estava ruim no primeiro mandato, piorou muito no segundo e, principalmente, após o maior estelionato eleitoral da história republicana (em 2014). O país entrou num círculo vicioso de longo prazo, com alto desemprego, baixas taxas de poupança e investimento e estagnação do PIB e da renda per capita. É o pacto da mediocridade.

Considerando os últimos 4 anos, o Brasil vive o seu pior momento econômico de todos os tempos. O país já está na sua segunda década perdida e virou uma nação submergente. O “Gigante pela própria natureza” vai chegar aos duzentos anos da Independência, em 2022, como uma nação totalmente enfraquecida e dependente das finanças nacionais e internacionais.

Se não houver uma virada total de página urgentemente, o Brasil pode entrar em uma fase de regressão permanente e de des-desenvolvimento. O lema positivista do governo Temer é o mesmo da bandeira nacional: “Ordem e Progresso”. Mas a dura realidade está mostrando que, sem brilho, o “Florão da América” está mais para “Desordem e Regresso”.

Referências:

ALVES, JED. A explosão dos déficits primário e nominal e a mudança de governo, Ecodebate, 13/05/2016
https://www.ecodebate.com.br/2016/05/13/a-explosao-dos-deficits-primario-e-nominal-e-a-mudanca-de-governo-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. O descontrole da dívida pública e o futuro do Brasil, Ecodebate, 16/05/2016
https://www.ecodebate.com.br/2016/05/16/o-descontrole-da-divida-publica-e-o-futuro-do-brasil-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

 

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 21/08/2017

“O rombo nas contas públicas no governo Michel Temer, artigo de José Eustáquio Diniz Alves,” in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 21/08/2017, https://www.ecodebate.com.br/2017/08/21/o-rombo-nas-contas-publicas-no-governo-michel-temer-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/.

 

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Os invisíveis geram medo

diplomatique.org.br

Os invisíveis geram medo – Le Monde Diplomatique


EDITORIAL

Os invisíveis geram medo

São mais de 160 pessoas assassinadas por dia. Na Síria, por exemplo, em quatro anos de guerra morreram 256 mil pessoas. No Brasil, no mesmo período, quase 279 mil.2 Não é uma guerra civil declarada, mas este é o país em que os policiais mais matam e mais morrem no mundo. Se de um lado estão os policiais e o Estado, do outro lado quem é o inimigo?

por: Silvio Caccia Bava

2 de agosto de 2017

Crédito da Imagem: Claudius

claudius 121-POBRES NA TV

A situação ainda não está fora de controle, mas há riscos de entrarmos em um período de confrontos e violência muito mais agudos do que vivemos atualmente. O que acontece hoje no Rio de Janeiro é sinal do que vem por aí. Já assusta todo mundo o fato de que o Brasil atingiu a marca recorde de 59.627 homicídios por armas de fogo em 2014, uma alta de 21,9% em comparação aos 48.909 óbitos registrados em 2003, segundo o Mapa da violência divulgado em 2016.1

São mais de 160 pessoas assassinadas por dia. Na Síria, por exemplo, em quatro anos de guerra morreram 256 mil pessoas. No Brasil, no mesmo período, quase 279 mil.2 Não é uma guerra civil declarada, mas este é o país em que os policiais mais matam e mais morrem no mundo. Se de um lado estão os policiais e o Estado, do outro lado quem é o inimigo?

O que as classes dominantes nos querem passar – e para isso se utilizam da TV – é que o confronto se dá entre criminosos, malfeitores, bandidos, vagabundos, narcotraficantes, corruptos e os que defendem a ordem e a lei. Usam para isso programas como Cidade Alerta.

Ao produzir no imaginário dos brasileiros esse tipo de confronto, a TV oculta a pobreza, o desemprego, a falta de oportunidades para os jovens, a precariedade de nosso sistema educacional, a falta de moradia, os reais problemas da grande maioria dos brasileiros e brasileiras. Essa ocultação falseia o diagnóstico. Já que o que aparece na TV sobre os pobres é a perseguição aos bandidos, o imaginário do brasileiro acabou aceitando a percepção do pobre como um ser perigoso, que necessita ser controlado.

Na verdade, trata-se de repressão e controle policial sobre as grandes maiorias empobrecidas, controle que tem como imagem emblemática as Unidades de Polícia Pacificadora – as UPPs – instaladas em favelas do Rio de Janeiro e que, a pretexto de combater o narcotráfico, chegam a impor toque de recolher em certas áreas da cidade. Isso para não falar na política de encarceramento maciço sustentada pelo nosso Judiciário, hoje com mais de 200 mil presos “para averiguação”, em sua maioria jovens e negros, sem nenhuma acusação pesando sobre eles.

Numa sociedade organizada para facilitar os negócios e atender aos interesses das grandes empresas, a imagem construída da sociedade é a de um grande mercado onde se oferecem produtos e serviços para quem tem recursos para comprá-los. Consumismo e produtivismo são as molas do que se entende como progresso. A TV aberta é a vitrine desse mercado e se orienta para seduzir as classes médias e impor um padrão de consumo. O pobre, isto é, a grande maioria dos brasileiros, não existe na TV. E se é pela TV que a grande maioria se informa, então os pobres não existem para a sociedade em que vivem. Não se sabe como é a vida nas favelas, como funcionam as escolas públicas, como são as relações de rua e de bairro, o que fazem os jovens da periferia etc.

Ignorar os pobres tem como duplo propósito ignorar suas demandas, suas necessidades, e mantê-los sob controle, de preferência alimentando uma situação de apatia.     

“A representação de si, neste contexto, é decisiva. Aqueles que não têm nome não podem se nomear, não podem existir enquanto pessoas e não podem agir coletivamente. Se tivermos essa preocupação no espírito, compreenderemos melhor o interesse dos dominantes de fazer desaparecer do campo das representações certas categorias sociais e de querer que outras ocupem todo o espaço, pois aqueles que se tornaram invisíveis aos olhos dos outros se tornaram também invisíveis para si mesmos. Ao contrário, as categorias sociais superexpostas, supervisíveis, podem fazer crer que a representação de si mesmas é a única realidade social efetiva. Assim se constrói o imaginário social coletivo e a ideia que cada um faz de si mesmo.”3

Não basta dizer que a solução para a violência presente na sociedade não é o encarceramento maciço nem o assassinato em massa, como vem sendo feito com os jovens negros da periferia. Soa quase impossível nesse cenário polarizado identificar as causas da violência com a falta de políticas públicas que ofereçam às maiorias as mínimas condições de vida, especialmente nas grandes cidades. A juventude que tem perspectivas de futuro (de emprego, moradia, mobilidade, saúde, educação) não adere à violência, à criminalidade.

As políticas do atual governo cerceiam o futuro de nossa juventude ao impor profundos cortes nas políticas sociais. É um ataque aos direitos humanos, aos direitos sociais, uma violência deliberada sobre a vida das maiorias.

Nessas condições, a única maneira de essas maiorias se tornarem visíveis para o conjunto da sociedade e verem suas necessidades e demandas inscritas na agenda política nacional é por meio da mobilização social, do protesto, da pressão sobre o sistema político.

Se essa pressão vai se radicalizar e assumir formas violentas ninguém sabe, mas parece que somente dessa forma, somando as demandas de diferentes grupos sociais em um movimento amplo de protesto e questionamento da ordem estabelecida, é que o povo sai do anonimato, pode se reconhecer na sua existência, nas suas demandas, tornar-se ator político, apresentar-se para o conjunto da sociedade em toda sua potência. E é disso que as classes dominantes têm medo.

*Silvio C. Bava é diretor do Le Monde Diplomatique Brasil


1 Julio Jacobo Waiselfisz, Mapa da violência 2016, Flacso Brasil.

2 G1, Jornal Nacional, 28 out. 2016.

3 Jean-Luc Mélenchon, L’Ère du peuple [A era do povo], Fayard/Pluriel, Paris, 2017, p.89.

ERRATA

As notas do editorial da edição anterior (n. 120) não foram publicadas. Seguem abaixo.

1 Ernesto Laclau, entrevista ao Le Monde, 9 fev. 2012.

2 Larry Diamond, cientista político e professor da Stanford University. Entrevista à Folha de S.Paulo, 17 maio 2017.

3 Francisco Panizza (org.), El populismo como espejo de la democracia, FCE, Buenos Aires, 2009.

4 Ibidem.

5 José Murilo de Carvalho, “Ecos do passado”, Folha de S.Paulo, 28 maio 2017.

6 Boaventura de Sousa Santos, A difícil democracia, Boitempo, São Paulo, 2016, p.160.

7 Evelyne Pieller, “Patologias da democracia”, Le Monde Diplomatique Brasil, jun. 2017.

8 Chantal Mouffe e Iñigo Errejón, Construir um povo. Por uma radicalização da democracia, Éditions du Cerf, Paris, 2017.