Archive for 29 de setembro de 2014

A água do Sistema Cantareira pode acabar?

A água do Sistema Cantareira pode acabar?

Fernando Reinach

Você já deve saber que nossa água está acabando. Assim, quando me deparei com o secretário de recursos hídricos do Estado, Mauro Arce, e o presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, em um mesmo palco, dispostos a responder perguntas, não resisti: “Se nos próximos 12 meses as chuvas forem semelhantes às que ocorreram nos últimos 12 meses, os 6 milhões de paulistanos que dependem exclusivamente do Sistema Cantareira terão água em 2015?” A pergunta é simples e não exige adivinhação, pois não questiona se vai chover. Simplesmente solicita a construção de um cenário a partir de dados já conhecidos. O sr. Andreu respondeu: “Se nós tivermos um ano parecido com esse, não teremos uma resposta satisfatórias na região metropolitana no ano de 2015”. O sr. Arce divagou sobre o que ocorreria se nunca mais chovesse. Fiquei sem resposta. Afinal, a água do Cantareira pode acabar?

Se os responsáveis pela ANA e pela Sabesp se recusam a nos contar o que pode acontecer em 2015, só me resta uma opção: tentar construir com você, caro leitor, os cenários mais prováveis. Isso é possível porque os dados necessários são atualizados diariamente em uma série de tabelas e gráficos publicados no site da ANA.

Convido a olhar com cuidado o gráfico acima. Ele mostra a quantidade de água estocada no Sistema Cantareira ao longo de cada ano, de 1982 até o presente. No eixo horizontal estão as datas. Cada linha vertical marca o início de um ano. No eixo vertical está o volume de água acumulada nos reservatórios do Cantareira em milhões de metros cúbicos (hm³). Este número vai de zero (reservatório seco) a 1.460, reservatório transbordando, totalmente cheio. Você também pode ver uma linha horizontal no valor 486, que separa o volume “vivo”, que pode ser retirado sem uso de bombas (entre 1.460 e 486) e o volume “morto” (entre 486 e 0), que só pode ser retirado por bombeamento.

É fácil verificar que todos os anos o nível do reservatório sobe e desce. Ele enche logo após o ano-novo (período de chuvas), se estabiliza antes da metade do ano, e esvazia na segunda metade do ano (período de secas). Mas o quanto ele enche e esvazia varia de ano para ano, dependendo de quanto chove e de quanta água é retirada. Veja o ano de 1999: ele iniciou com aproximadamente 1.050 hm³, subiu até 1.430 e desceu para 1.030. Em 1999, a água que entrou foi quase igual a água que saiu. Já em 1987, o reservatório começou com 860, subiu para 1.420 e só baixou para 1.200. Naquele ano entrou mais água do que saiu.

Acompanhe agora o que aconteceu a partir de 2010. Em 2010 o reservatório chegou ao seu máximo, 1.460, e caiu para 1.200, no ano seguinte (2011) ele subiu para 1.400 e terminou em 1.150. Em 2012, ele subiu muito pouco e terminou o ano em 950. O ano de 2013 já foi trágico, a subida foi pequena e a queda foi grande, e acabamos 2013 já com um pouco mais de 700 hm³, um dos menores níveis históricos. Foram quatro anos em que os níveis registrados em dezembro sofreram quedas grandes e sucessivas. E aí veio 2014, um ano em que ocorreu um fenômeno nunca antes observado. O ano de 2014 foi o único em que o reservatório nem sequer encheu, a quantidade de água armazenada caiu continuamente. Iniciou o ano com 700 hm³ e agora em setembro estamos com somente 370 hm³. Veja que em setembro de 2013 estávamos com 870 hm³. A queda nos últimos 12 meses foi de 500 hm³.

Agora, caro leitor, eu pergunto, você é capaz de responder a pergunta que a Sabesp e a ANA se recusaram a responder? Se os próximos 12 meses (setembro de 2014 a setembro de 2015) forem iguais aos 12 meses anteriores (setembro de 2013 a setembro de 2014), qual cenário enfrentaremos em setembro de 2015? É fácil, mas trágico. Se nos próximos 12 meses o nível cair 500 hm³ (como caiu nos últimos 12 meses), chegaremos muito antes de setembro ao nível zero, pois hoje só temos, 370 hm³ no Cantareira. Esta é a resposta simples e objetiva. Se tudo se repetir, milhões de pessoas vão ficar sem uma gota de água. Simples assim.

Mas talvez não seja correto ser tão pessimista, vamos imaginar que as chuvas do fim do ano acrescentem 200 hm³ ao reservatório, como aconteceu em 1985, 1988 e 2011. O nível vai passar de 370 para 570. Mas se continuarmos a tirar água como tiramos neste ano, vai cair para quase zero novamente, e as pessoas vão ficar sem água.

Mas o melhor seria se São Pedro ajudasse e repetíssemos em 2015 o que ocorreu em 1987, o reservatório subisse 650 hm³ em um único ano (o recorde). Aí passaríamos de 370 para 920 e se retirássemos os mesmos 500 acabaríamos o ano com 420 hm³, um pouco abaixo do limite do volume morto. Melhor, mas ainda preocupante.

É claro que estes cenários são os mais crus que um leigo educado pode deduzir a partir dos dados disponíveis. Eles assumem que a Sabesp não vai mudar a maneira como está retirando água do Cantareira e assumem que é possível retirar até a última gota do reservatório, o que não é verdade. O fato é que muito antes de o volume acumulado nos reservatórios chegar a zero não haverá água sequer para organizar um rodízio ou racionamento forçado.

Senhor secretário, senhor presidente da ANA, não fiquem acanhados em mostrar o que está errado nesses cenários criados por um simples biólogo. Todos gostaríamos de saber com que cenários a Sabesp e a ANA trabalham. Quais são seus cenários? Sei que devo estar errado nos detalhes, mas todos gostaríamos de saber o que teremos de enfrentar em 2015. Afirmar que teremos água até março não é suficiente. Afinal, é a vida cotidiana de milhões de pessoas que está em jogo.

Se outros cenários não forem descritos e justificados, só me resta acreditar que estes cenários, simples, mas lógicos, representam em grande parte o que nos espera em 2015.

*É BIÓLOGO

A morte do ambientalismo

A morte do ambientalismo

Kate Galbraith – O Estado de S. Paulo

27 Setembro 2014 | 16h 00

Como os americanos mataram o movimento conservacionista ao deixar o papel de líderes que ocupavam na campanha para salvar o planeta

MARIANA BAZO/REUTERS
Submersos. Partidarismo feroz complica debates sobre o tema nos EUA

Palavras e promessas grandiosas emanaram da cúpula sobre mudanças climáticas da ONU em Nova York essa semana, como ocorre quando o mundo faz uma pausa para se lembrar dos perigos do derretimento de geleiras e o aumento do nível dos oceanos. Desta vez, algumas empresas – incluindo petrolíferas – se uniram a Barack Obama e outros líderes na promessa de conter as emissões responsáveis pelo aquecimento global. Mas, como notou o blog Wonkblog, do Washington Post, “de que serve uma cúpula climática sem corte de emissões?”.

Os dignitários que se despedem de Nova York não deveriam se sentir deprimidos: estão diante de uma tarefa virtualmente impossível. Alcançar um acordo internacional sobre qualquer tópico ambiental é coisa rara nos últimos 15 anos. Tais acordos, que no passado ajudaram a resolver o problema do buraco na camada de ozônio em cima da Antártida e a proibir testes de armas nucleares no ar e no mar, são uma espécie ameaçada – em parte porque a liderança americana nesse front, que já foi sólida, hoje definha.

Usando um banco de dados da Universidade do Oregon, pesquisei como os acordos ambientais mudaram com o tempo. Analisando só os multilaterais, o número de acordos atingiu um pico nos anos 1990 e caiu no século 21. Especificando: houve 107 nos anos 1960; 143 nos 70; 175 nos 80; 353 nos 90; 244 nos 2000; e 70 até os 2010.

A Cúpula da Terra de 1992 no Rio de Janeiro, que contou com a presença de George H. Bush, marcou o clímax da ação ambiental internacional. Acordos importantes surgiram: a Convenção Quadro sobre Mudança Climática da ONU de 1992; a Declaração sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento do Rio; a Agenda 21, plano de desenvolvimento sustentável não vinculante de 1992; e a Convenção sobre Diversidade Biológica de 1992. O sucesso no longo prazo desses acordos é discutível, mas eles assentaram as bases para combater a mudança climática e proteger a vida selvagem. A convenção climática de 1992, por exemplo, procurou estabilizar as emissões de gases estufa em níveis abaixo da zona de perigo, e o Protocolo de Kyoto de 1997 avançou para metas de redução das emissões específicas de países.

Quando veio Kyoto, no entanto, a descida da ladeira já havia começado. Desde a Convenção sobre Poluentes Orgânicos Persistentes de Estocolmo, em 2001, apenas um acordo ambiental importante foi redigido: a Convenção sobre Mercúrio de Minamata em 2013, esforço para conter a mineração com mercúrio. Ela ainda não foi ratificada. Mas o esforço para reduzir as emissões responsáveis pelo aquecimento global, que vêm de cada setor e nação e envolve vários tipos de poluentes, será mais complexo.

É verdade que frutos mais fáceis de colher foram apanhados, como esforços para fechar a camada de ozônio e reduzir os testes nucleares. Todos estão em curso, requerendo que negociadores internacionais se reúnam para aprovar emendas.

Mas também é verdade que a liderança americana definhou. Os EUA foram cruciais em acordos anteriores, como o Protocolo de Montreal. Agora o Senado americano não consegue ratificar nem tratados populares como a Lei do Mar, que estabelece padrões para mineração e pesca em alto-mar e esclarece direitos de países sobre águas oceânicas costeiras. O atraso não se deve totalmente ao Executivo; Bush apoiava a Lei do Mar. Ela está parada no Senado.

Há 40 anos, antes de o movimento conservador pelo livre mercado que culminou no Tea Party emplacar, o ambientalismo vivia seu apogeu político. Nixon criou a Agência de Proteção Ambiental e assinou a Lei sobre Espécies Ameaçadas e a Lei do Ar Limpo, cuja influência continua forte. Quatro décadas depois, os republicanos procuram repelir ou enfraquecer essas leis à medida que o partido pende para a direita.

Internacionalmente, as questões ambientais empacam pelo impacto econômico que causam. Também são derrubadas por céticos: enquanto ninguém pode contestar as ondas de refugiados, muitos questionam a ciência climática. Isso levou legisladores americanos, e a nação inteira da Austrália, a recuar da ideia de um esquema de limitação e negociação de emissões ou um imposto sobre o carbono na medida em que interesses industriais prevalecem.

Nada disso é bom augúrio para o clima. Obama parece comprometido e pretende reduzir as emissões com ações executivas. Mas, mesmo que resolver a questão da mudança climática fosse relativamente simples – um imposto único sobre carbono para todos -, políticos americanos e mundiais o tornariam muito mais difícil de aprovar do que há 20 anos. Onde o mundo antes olhava para a liderança americana para acordos ambientais referenciais do passado, hoje ele vê sobretudo desacordos e um partidarismo feroz. O pensamento cooperativo, de longo prazo, não está em voga. O Congresso jamais aprovará o “cap-and-trade”, ao menos até Miami começar a inundar. E outros grandes poluidores, como China e Índia, não assinarão facilmente um acordo internacional que poderia subverter suas economias, ao menos no curto prazo. O otimismo eufórico dos dias do Rio cedeu lugar a um esforço demorado e quase paralisante. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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Kate Galbraith é uma jornalista baseada em São Francisco cujo foco é clima. Escreveu este artigo para a Foreign