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Antonio Cândido indica 10 livros para conhecer o Brasil

Antonio Cândido indica 10 livros para conhecer o Brasil

Por Revista Fórum maio 17, 2013 20:08

Antonio Cândido indica 10 livros para conhecer o Brasil

Por Antonio Candido*, no blog da Boitempo 

Quando nos pedem para indicar um número muito limitado de livros importantes para conhecer o Brasil, oscilamos entre dois extremos possíveis: de um lado, tentar uma lista dos melhores, os que no consenso geral se situam acima dos demais; de outro lado, indicar os que nos agradam e, por isso, dependem sobretudo do nosso arbítrio e das nossas limitações. Ficarei mais perto da segunda hipótese.

Como sabemos, o efeito de um livro sobre nós, mesmo no que se refere à simples informação, depende de muita coisa além do valor que ele possa ter. Depende do momento da vida em que o lemos, do grau do nosso conhecimento, da finalidade que temos pela frente. Para quem pouco leu e pouco sabe, um compêndio de ginásio pode ser a fonte reveladora. Para quem sabe muito, um livro importante não passa de chuva no molhado. Além disso, há as afinidades profundas, que nos fazem afinar com certo autor (e portanto aproveitá-lo ao máximo) e não com outro, independente da valia de ambos.

Por isso, é sempre complicado propor listas reduzidas de leituras fundamentais. Na elaboração da que vou sugerir (a pedido) adotei um critério simples: já que é impossível enumerar todos os livros importantes no caso, e já que as avaliações variam muito, indicarei alguns que abordam pontos a meu ver fundamentais, segundo o meu limitado ângulo de visão. Imagino que esses pontos fundamentais correspondem à curiosidade de um jovem que pretende adquirir boa informação a fim de poder fazer reflexões pertinentes, mas sabendo que se trata de amostra e que, portanto, muita coisa boa fica de fora.

São fundamentais tópicos como os seguintes: os europeus que fundaram o Brasil; os povos que encontraram aqui; os escravos importados sobre os quais recaiu o peso maior do trabalho; o tipo de sociedade que se organizou nos séculos de formação; a natureza da independência que nos separou da metrópole; o funcionamento do regime estabelecido pela independência; o isolamento de muitas populações, geralmente mestiças; o funcionamento da oligarquia republicana; a natureza da burguesia que domina o país. É claro que estes tópicos não esgotam a matéria, e basta enunciar um deles para ver surgirem ao seu lado muitos outros. Mas penso que, tomados no conjunto, servem para dar uma ideia básica.

Entre parênteses: desobedeço o limite de dez obras que me foi proposto para incluir de contrabando mais uma, porque acho indispensável uma introdução geral, que não se concentre em nenhum dos tópicos enumerados acima, mas abranja em síntese todos eles, ou quase. E como introdução geral não vejo nenhum melhor do que O povo brasileiro (1995), de Darcy Ribeiro, livro trepidante, cheio de ideias originais, que esclarece num estilo movimentado e atraente o objetivo expresso no subtítulo: “A formação e o sentido do Brasil”.

Quanto à caracterização do português, parece-me adequado o clássico Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda, análise inspirada e profunda do que se poderia chamar a natureza do brasileiro e da sociedade brasileira a partir da herança portuguesa, indo desde o traçado das cidades e a atitude em face do trabalho até a organização política e o modo de ser. Nele, temos um estudo de transfusão social e cultural, mostrando como o colonizador esteve presente em nosso destino e não esquecendo a transformação que fez do Brasil contemporâneo uma realidade não mais luso-brasileira, mas, como diz ele, “americana”.

Em relação às populações autóctones, ponho de lado qualquer clássico para indicar uma obra recente que me parece exemplar como concepção e execução:História dos índios do Brasil (1992), organizada por Manuela Carneiro da Cunha e redigida por numerosos especialistas, que nos iniciam no passado remoto por meio da arqueologia, discriminam os grupos linguísticos, mostram o índio ao longo da sua história e em nossos dias, resultando uma introdução sólida e abrangente.

Seria bom se houvesse obra semelhante sobre o negro, e espero que ela apareça quanto antes. Os estudos específicos sobre ele começaram pela etnografia e o folclore, o que é importante, mas limitado. Surgiram depois estudos de valor sobre a escravidão e seus vários aspectos, e só mais recentemente se vem destacando algo essencial: o estudo do negro como agente ativo do processo histórico, inclusive do ângulo da resistência e da rebeldia, ignorado quase sempre pela historiografia tradicional. Nesse tópico resisto à tentação de indicar o clássico O abolicionismo (1883), de Joaquim Nabuco, e deixo de lado alguns estudos contemporâneos, para ficar com a síntese penetrante e clara de Kátia de Queirós Mattoso, Ser escravo no Brasil (1982), publicado originariamente em francês. Feito para público estrangeiro, é uma excelente visão geral desprovida de aparato erudito, que começa pela raiz africana, passa à escravização e ao tráfico para terminar pelas reações do escravo, desde as tentativas de alforria até a fuga e a rebelião. Naturalmente valeria a pena acrescentar estudos mais especializados, como A escravidão africana no Brasil (1949), de Maurício Goulart ou A integração do negro na sociedade de classes (1964), de Florestan Fernandes, que estuda em profundidade a exclusão social e econômica do antigo escravo depois da Abolição, o que constitui um dos maiores dramas da história brasileira e um fator permanente de desequilíbrio em nossa sociedade.

Esses três elementos formadores (português, índio, negro) aparecem inter-relacionados em obras que abordam o tópico seguinte, isto é, quais foram as características da sociedade que eles constituíram no Brasil, sob a liderança absoluta do português. A primeira que indicarei é Casa grande e senzala (1933), de Gilberto Freyre. O tempo passou (quase setenta anos), as críticas se acumularam, as pesquisas se renovaram e este livro continua vivíssimo, com os seus golpes de gênio e a sua escrita admirável – livre, sem vínculos acadêmicos, inspirada como a de um romance de alto voo. Verdadeiro acontecimento na história da cultura brasileira, ele veio revolucionar a visão predominante, completando a noção de raça (que vinha norteando até então os estudos sobre a nossa sociedade) pela de cultura; mostrando o papel do negro no tecido mais íntimo da vida familiar e do caráter do brasileiro; dissecando o relacionamento das três raças e dando ao fato da mestiçagem uma significação inédita. Cheio de pontos de vista originais, sugeriu entre outras coisas que o Brasil é uma espécie de prefiguração do mundo futuro, que será marcado pela fusão inevitável de raças e culturas.

Sobre o mesmo tópico (a sociedade colonial fundadora) é preciso ler tambémFormação do Brasil contemporâneo, Colônia (1942), de Caio Prado Júnior, que focaliza a realidade de um ângulo mais econômico do que cultural. É admirável, neste outro clássico, o estudo da expansão demográfica que foi configurando o perfil do território – estudo feito com percepção de geógrafo, que serve de base física para a análise das atividades econômicas (regidas pelo fornecimento de gêneros requeridos pela Europa), sobre as quais Caio Prado Júnior engasta a organização política e social, com articulação muito coerente, que privilegia a dimensão material.

Caracterizada a sociedade colonial, o tema imediato é a independência política, que leva a pensar em dois livros de Oliveira Lima: D. João VI no Brasil (1909) eO movimento da Independência (1922), sendo que o primeiro é das maiores obras da nossa historiografia. No entanto, prefiro indicar um outro, aparentemente fora do assunto: A América Latina, Males de origem (1905), de Manuel Bonfim. Nele a independência é de fato o eixo, porque, depois de analisar a brutalidade das classes dominantes, parasitas do trabalho escravo, mostra como elas promoveram a separação política para conservar as coisas como eram e prolongar o seu domínio. Daí (é a maior contribuição do livro) decorre o conservadorismo, marca da política e do pensamento brasileiro, que se multiplica insidiosamente de várias formas e impede a marcha da justiça social. Manuel Bonfim não tinha a envergadura de Oliveira Lima, monarquista e conservador, mas tinha pendores socialistas que lhe permitiram desmascarar o panorama da desigualdade e da opressão no Brasil (e em toda a América Latina).

Instalada a monarquia pelos conservadores, desdobra-se o período imperial, que faz pensar no grande clássico de Joaquim Nabuco: Um estadista do Império(1897). No entanto, este livro gira demais em torno de um só personagem, o pai do autor, de maneira que prefiro indicar outro que tem inclusive a vantagem de traçar o caminho que levou à mudança de regime: Do Império à República(1972), de Sérgio Buarque de Holanda, volume que faz parte da História geral da civilização brasileira, dirigida por ele. Abrangendo a fase 1868-1889, expõe o funcionamento da administração e da vida política, com os dilemas do poder e a natureza peculiar do parlamentarismo brasileiro, regido pela figura-chave de Pedro II.

A seguir, abre-se ante o leitor o período republicano, que tem sido estudado sob diversos aspectos, tornando mais difícil a escolha restrita. Mas penso que três livros são importantes no caso, inclusive como ponto de partida para alargar as leituras.

Um tópico de grande relevo é o isolamento geográfico e cultural que segregava boa parte das populações sertanejas, separando-as da civilização urbana ao ponto de se poder falar em “dois Brasis”, quase alheios um ao outro. As consequências podiam ser dramáticas, traduzindo-se em exclusão econômico-social, com agravamento da miséria, podendo gerar a violência e o conflito. O estudo dessa situação lamentável foi feito a propósito do extermínio do arraial de Canudos por Euclides da Cunha n’Os sertões (1902), livro que se impôs desde a publicação e revelou ao homem das cidades um Brasil desconhecido, que Euclides tornou presente à consciência do leitor graças à ênfase do seu estilo e à imaginação ardente com que acentuou os traços da realidade, lendo-a, por assim dizer, na craveira da tragédia. Misturando observação e indignação social, ele deu um exemplo duradouro de estudo que não evita as avaliações morais e abre caminho para as reivindicações políticas.

Da Proclamação da República até 1930 nas zonas adiantadas, e praticamente até hoje em algumas mais distantes, reinou a oligarquia dos proprietários rurais, assentada sobre a manipulação da política municipal de acordo com as diretrizes de um governo feito para atender aos seus interesses. A velha hipertrofia da ordem privada, de origem colonial, pesava sobre a esfera do interesse coletivo, definindo uma sociedade de privilégio e favor que tinha expressão nítida na atuação dos chefes políticos locais, os “coronéis”. Um livro que se recomenda por estudar esse estado de coisas (inclusive analisando o lado positivo da atuação dos líderes municipais, à luz do que era possível no estado do país) éCoronelismo, enxada e voto (1949), de Vitor Nunes Leal, análise e interpretação muito segura dos mecanismos políticos da chamada República Velha (1889-1930).

O último tópico é decisivo para nós, hoje em dia, porque se refere à modernização do Brasil, mediante a transferência de liderança da oligarquia de base rural para a burguesia de base industrial, o que corresponde à industrialização e tem como eixo a Revolução de 1930. A partir desta viu-se o operariado assumir a iniciativa política em ritmo cada vez mais intenso (embora tutelado em grande parte pelo governo) e o empresário vir a primeiro plano, mas de modo especial, porque a sua ação se misturou à mentalidade e às práticas da oligarquia. A bibliografia a respeito é vasta e engloba o problema do populismo como mecanismo de ajustamento entre arcaísmo e modernidade. Mas já que é preciso fazer uma escolha, opto pelo livro fundamental de Florestan Fernandes,A revolução burguesa no Brasil (1974). É uma obra de escrita densa e raciocínio cerrado, construída sobre o cruzamento da dimensão histórica com os tipos sociais, para caracterizar uma nova modalidade de liderança econômica e política.

Chegando aqui, verifico que essas sugestões sofrem a limitação das minhas limitações. E verifico, sobretudo, a ausência grave de um tópico: o imigrante. De fato, dei atenção aos três elementos formadores (português, índio, negro), mas não mencionei esse grande elemento transformador, responsável em grande parte pela inflexão que Sérgio Buarque de Holanda denominou “americana” da nossa história contemporânea. Mas não conheço obra geral sobre o assunto, se é que existe, e não as há sobre todos os contingentes. Seria possível mencionar, quanto a dois deles, A aculturação dos alemães no Brasil (1946), de Emílio Willems; Italianos no Brasil (1959), de Franco Cenni, ou Do outro lado do Atlântico (1989), de Ângelo Trento – mas isso ultrapassaria o limite que me foi dado.

No fim de tudo, fica o remorso, não apenas por ter excluído entre os autores do passado Oliveira Viana, Alcântara Machado, Fernando de Azevedo, Nestor Duarte e outros, mas também por não ter podido mencionar gente mais nova, como Raimundo Faoro, Celso Furtado, Fernando Novais, José Murilo de Carvalho, Evaldo Cabral de Melo etc. etc. etc. etc.

* Artigo publicado na edição 41 da revista Teoria e Debate – em 30/09/2000

Antonio Candido é sociólogo, crítico literário e ensaísta.

A Petrobras e o futuro (Brasil)

Mauro Santayana

A Petrobras e o futuro

A luta pela criação da empresa foi bela e consagradora. Ela é respeitada internacionalmente, mas ferozmente combatida
Wikimedia Commons/CC
Petrobras

Criticada, vilipendiada, atacada desde o início por aqueles que se recusavam a acreditar na capacidade de realização da gente brasileira, e achavam que era melhor entregar nosso subsolo às petroleiras inglesas e norte-americanas, a Petróleo Brasileiro S.A. só foi criada porque milhares foram para a rua em sua defesa. Transformou-se em símbolo e bandeira de um Brasil viável, soberano e forte. Com o tempo, cresceu. Descobriu petróleo nas 200 milhas de nosso mar territorial. Desenvolveu e aprimorou, ao extraí-lo, a mais avançada tecnologia de exploração em oceanos. Tornou-se a mais premiada empresa na disputada Offshore Technology Conference (OTC), o “Oscar” da engenharia de petróleo. É respeitada internacionalmente, e ferozmente combatida. Há, hoje, no mundo inteiro, uma luta surda entre as grandes multinacionais de capital privado e estatais petrolíferas, pelas reservas de óleo e gás do planeta.

Considerando-se isso, seria melhor para as grandes corporações internacionais se pudessem incorporar a seu patrimônio as gigantescas reservas do pré-sal. Ou, que  não tivessem sido obrigadas a aplicar percentual mínimo, no Brasil, em pesquisa e a transformar o país em um dos maiores polos de desenvolvimento de tecnologia nessa área.

Há outros problemas enfrentados pela Petrobras, neste momento, que derivam de equívocos estratégicos cometidos pelo governo nos últimos anos. Antes de incentivar as vendas de automóveis, para diminuir os efeitos da crise sobre a indústria, o país deveria ter atentado para a questão: de onde viria o combustível? Seria possível obter, por meio de incentivo a veículos híbridos e elétricos, e da liberalização e desburocratização total da produção de etanol e biodiesel, fontes nacionais de energia para a movimentação dessa frota?

Se investirmos mais em automóveis e menos em transporte público, não estaremos aumentando, dia a dia, mês a mês, o consumo e a importância relativa de insumos importados – diesel e gasolina – na economia, tendo depois, por conta de inflação, de segurar os preços? O governo recusou-se a aumentar o preço dos combustíveis, afetando o faturamento da companhia, quando poderia tê-los corrigido, homeo­paticamente, ao longo do tempo, sem impactar de uma só vez a inflação, como provavelmente terá de fazer  a qualquer momento. Finalmente, a produção nacional também diminuiu, não por falta de reservas, mas por causa da abundância delas.

Plataformas de petróleo mais antigas tiveram de ser adaptadas ou substituídas por outras mais modernas, especialmente projetadas para trabalhar com o pré-sal, que foram majoritariamente construídas em território brasileiro. Navios gigantescos, como o João Cândido, o Celso Furtado, o José Alencar e o Zumbi dos Palmares, fabricados no Brasil, ajudaram a reerguer a indústria naval, criando milhares de empregos.

Os problemas da Petrobras são transitórios. Tenderão a se resolver, quando novas plataformas forem concluídas e entrarem em funcionamento; as novas refinarias forem inauguradas, diminuindo a importação de diesel e gasolina estrangeiros; e houver uma recomposição paulatina do preço dos combustíveis.

É natural que, com o tempo, suas diretorias e subsidiárias tenham se transformado – para partidos e parlamentares – em alguns dos mais cobiçados cargos da República. Tudo seria diferente, se, na Constituição, fosse vedada a senadores e deputados a ocupação de cargos públicos para os quais não tenham sido efetivamente eleitos. Ou, no limite, houvesse a proibição da indicação, para cargos executivos, de pessoas de fora dos quadros da própria empresa. Isso poderia diminuir, ainda sem evitar totalmente, a ocorrência de desvios e problemas, considerando-se o tamanho da Petrobras e as múltiplas áreas em que atua.

Com todos os problemas que tenha, e que devem ser corrigidos, a Petrobras é trunfo fundamental para o desenvolvimento e o futuro do Brasil, no terceiro milênio. Tudo que se faça, portanto, no âmbito do Congresso, ou da sociedade, pelo aprimoramento da empresa, tem de ser feito não para enfraquecê-la, mas para torná-la mais forte.

Com o selo da reforma agrária (Brasil)

Com o selo da reforma agrária

Assentamentos plantam e colhem de tudo pelo país. A dificuldade maior é fazer a produção chegar a mesa do consumidor
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ESPALHANDO MUDAS
Rita e Tino: crescendo com o assentamento (LUCAS DUARTE DE SOUZA/RBA)

Seu Antônio carpina a terra. São 60 anos de experiência – aos 8, começou a ajudar os pais. Já foi meeiro, hoje é assentado. “Nunca trabalhei empregado em firma”, conta Antônio Paulino Santo, que trabalha na Agrovila III, uma área de assentamentos em Itapeva, no sudoeste paulista, a 270 quilômetros da capital e já perto da divisa com o Paraná. Sete agrovilas espalhadas na região reúnem 450 famílias, aproximadamente 1.800 pessoas, em 17.000 hectares. Em todo o país, há 54 cooperativas produzindo, segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), que completa 30 anos neste 2014. A produção é diversificada, de itens in natura a beneficiados. Parte vem de cooperados, parte de produtores individuais.

O desafio é alcançar o mercado consumidor, já que os pequenos produtores enfrentam dificuldades de inserção no sistema de distribuição. “O ­primeiro princípio é primar pela soberania alimentar. Diversificar. O segundo é organizar as linhas de produção para agregar valor. São 150 mil famílias assentadas, todas produzem”, diz Antonio Miranda, do setor de produção nacional do MST.

Para o presidente da Cooperativa dos Assentados de Reforma Agrária e Pequenos Produtores da Região de Itapeva (Coapri), Sebastião Aranha, ele mesmo um ex-acampado, um sonho é colocar os produtos no mercado tradicional. “Ainda não tínhamos uma marca para negociar. Sempre se vendeu a granel. De uns anos para cá, começou a embalar. O feijão sai da roça, vem para o barracão e é embalado nos domínios da cooperativa.”

De lá sai o feijão Raízes da Terra – marca já destinada a merendas em muitas escolas públicas. “A cooperativa compra o feijão do assentado, embala e faz a distribuição via prefeituras”, conta Aranha. Na última safra, a cooperativa comercializou mais de 20 mil sacas de feijão, ou por volta de 1 milhão de quilos.

A agrovila onde trabalha seu Antônio abriga a Cooperativa de Produção Agropecuária Vó Aparecida (Copava), em ação há mais de duas décadas. Ali, trabalho, terra e renda são coletivos, e as moradias estão ao lado umas das outras. Ele mora a poucos metros de onde brotam produtos como alface, beterraba, cenoura, rúcula, cheiro-verde, berinjela, mandioca, pimentão, abóbora, jiló, quiabo. A cooperativa faz controle diário e mensal da produção, e o rateio é feito conforme as horas trabalhadas. Na última safra, dos 500 hectares agricultáveis saíram 307 toneladas de feijão, 810 toneladas de soja, 840 toneladas de milho e 1,1 mil toneladas de trigo, além de 110 mil litros de leite.

Integrante da administração da Copava, José Aparecido Ramos, o Zezinho, conta que a cooperativa tem 35 famílias, com 50 pessoas distribuídas em dez setores. Periodicamente, se reúne um conselho formado por um representante de cada setor. Ali também funcionam uma padaria (para consumo e encomendas) e um mercado, além de uma oficina para manutenção de máquinas. O mercado atende os cooperados e a vizinhança. O leite é distribuído aos sócios e também vendido. E de um alambique ao lado da padaria sai a cachaça da marca A Socialista.

Merenda

“A divisão de tarefas foi pela aptidão de cada um. Depois foi capacitando as pessoas”, diz a assentada Marisa da Silva, dois filhos, de 7 e 3 anos. Há um ano no local, Marisa já passou pela horta, pela cozinha, pelo resfriador de leite e pelo atendimento a visitas. Está novamente na horta. Planta, semeia, colhe, faz a irrigação, carpe, mantém o cultivo.

Parte significativa da produção é destinada ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). A Lei nº 11.947, de 2009, determina que pelo menos 30% dos recursos vindos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)­ para esse fim venham de produtos da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando assentamentos de reforma agrária, comunidades indígenas e quilombolas. O orçamento do Pnae para este ano é de R$ 3,5 bilhões.

Outra fonte é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), surgido em 2003, no início do governo Lula, por meio da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Segundo a Conab, pelo programa são adquiridos 511 produtos, com destaque para banana, raiz de mandioca, alface, laranja, abóbora e feijão. Os alimentos são destinados a hospitais, creches, escolas, asilos, restaurantes populares e cozinhas comunitárias.

Quando começou, o PAA chegou a ­41 mil­­ agricultores familiares, 65 projetos e R$ 81,5 milhões em recursos. Em 2012, chegou a 129 mil agricultores, com 2.600 projetos e R$ 585 milhões. No ano passado, caiu bruscamente, para os mesmos 41 mil agricultores de dez anos antes, 887 projetos e R$ 225 milhões. A Conab informa que isso se deve, principalmente, a duas questões. A primeira é o início do Plano de Fiscalização do PAA. A companhia diz que, antes, o plano era vistoriado por órgãos de controle do governo, enquanto à Conab cabia a supervisão. A partir de 2003, a Superintendência de Fiscalização passou a realizar inspeções periódicas e “de forma mais rigorosa que as supervisões”.

Além disso, o clima foi desfavorável à execução do PAA, principalmente na região Nordeste. A produção caiu e o número de projetos inscritos também. Mesmo assim, em março, último dado disponível, o PAA movimentou R$ 24,4 milhões, valor 44% acima de igual perío­do de 2012, até então o melhor resultado. “É o melhor início das operações do programa desde sua criação”, declarou a superintendente de Suporte à Agricultura Familiar da Conab, Kelma Cruz.

Crédito

Enquanto observa no galpão um lote com aproximadamente 250 sacas de feijão, em maquinário comprado de outra cooperativa, no Pontal do Paranapanema, e manuseado por três filhos de assentados, Aranha comenta que uma das grandes dificuldades para o pequeno produtor ainda é o crédito. “Às vezes anunciam milhões para a agricultura familiar, mas poucos têm acesso. Você pede um crédito, ele vem depois da safra. A liberação de recursos é muito difícil, muito devagar.” Outra questão a enfrentar é da formação. “Quem faz a assistência técnica são as lojas de veneno”, acrescenta Aranha, referindo-se aos fornecedores. “A formação nas universidades é voltada para as grandes áreas. Mas quem produz comida mesmo é o pequeno agricultor.”

Na Agrovila I, que completa 30 anos neste 13 de maio, estão assentadas 80 famílias, entre cooperados e produtores individuais. O feijão colhido nesta safra é levado para um barracão. Ali, até os anos 2000, eram organizadas as festas para comemorar o aniversário do assentamento, o primeiro da região, onde ficava, em uma área pública, a Fazenda Pirituba. De lá, o feijão será conduzido à central, empacotado e levado às prefeituras.

A poucos metros está a escola municipal Professora Terezinha de Moura Rodrigues Gomes, homenagem a uma docente da região que se aposentou justamente em 1984. Espalhadas, é possível observar áreas de cultivo de quintal. “Todo mundo já tinha uma hortinha. Mas o PAA incentivou bastante”, conta a técnica agrícola Fabiana Fagundes da Silva, no último ano do curso de Agronomia. Em um desses canteiros, o de dona Telma Alves, são cultivadas hortaliças e frutas. “Este ano, a partir de julho, vai entregar ponkan também.” No local onde antes aviões espalhavam agrotóxicos, hoje a produção de orgânicos começa a se tornar realidade, caso da área trabalhada por Telma e seus quatro filhos. “Ela já começou um processo de transição”, diz Fabiana. A maioria dos produtores de quintal é de orgânicos.

“Uma das grandes metas nossas é trazer a produção agroecológica para o assentamento”, diz Sebastião Aranha. “É um processo longo. A assistência técnica hoje é veneno. Estamos tentando rearticular o instituto de ensino, para pensar em um novo modelo.”

Incentivo

Miranda, do MST, que tinha 11 anos quando o pai ingressou em um acampamento no Paraná, defende a mudança de modelo. “Hoje estamos num processo de conversão. Falta investimento, falta política pública. Já temos várias experiências. No Rio Grande do Sul, começamos com cinco, hoje temos 1.500 famílias. No Paraná, queremos colocar o primeiro laticínio de leite orgânico. É um debate sobre o modelo de produção. O problema é a falta de incentivo”, afirma.

Ele estima que 30% da base, no setor produtivo, já produz de maneira agroecológica ou agro-orgânica. “Temos de dar o salto. O modelo atual de agronegócio está inviável. O impacto no ambiente e na saúde é grande. Precisamos discutir com a sociedade outro modelo de campo, respeitando a biodiversidade. Isso não vai ser feito só pelo MST, tem de envolver setores urbanos.”

Pertinho da horta de Telma, praticamente em outro quintal, Tino manuseia sementes em um viveiro, ajudado por Rita de Cássia dos Anjos. Alface, beterraba, salsinha. É semear e irrigar até quatro vezes por dia, para a muda crescer, ensina Ezequiel Rodrigues de Souza, olhando para 250 bandejas de mudas espalhadas no local. Com a proximidade do inverno, predominam culturas como repolho, brócolis, alface crespa e beterraba. No verão, alface lisa, berinjela, pimentão, pimenta. A família veio do Paraná. “Vim com 7 anos. Cresci no assentamento, ajudando o pai e a mãe”, conta Tino, hoje com 37 anos e perto de concluir a faculdade de Engenharia Florestal.

Mais alguns passos, atravessando a estradinha de terra, se encontra a Usina do Leite. O produto vem dos sete assentamentos organizados na região. Também irá para escolas, em parceria com a Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento de Itapeva.

Renda

Leite é o carro-chefe na produção do assentamento Valmir Mota de Oliveira, em Cascavel, oeste do Paraná, conta Amelindo Rosa, também do setor de produção do MST. O nome do assentamento homenageia Keno, assassinado em outubro de 2007. “É rara a família que não tem na sua renda a produção de leite”, diz. O Valmir Mota tem 83 famílias. Está perto da cidade, na BR-277, que liga a Curitiba. “Estamos perto do parque industrial, um lugar privilegiado.”

Em todo o estado, são 321 assentamentos, com 28 mil famílias. Da marca Campo Vivo saem produtos como arroz, requeijão, iogurte, queijo (minas, colonial, mussarela) e manteiga, vendidos em alguns supermercados. Há também o arroz Produtos da Terra e erva-mate, na região central. A parte da produção que conseguem industrializar é pequena ainda. “Quem produz e vende in natura não agrega tanto valor”, afirma Amelindo. “Estamos pensando nessa parte do beneficiamento. O maior desafio é como a gente organiza essa produção para escoar.”

A produção de orgânicos evolui. “Temos uma iniciativa até bonita aqui”, diz, citando quatro escolas de agroecologia no estado e a quarta edição da Jornada de Agroecologia, marcada para 21 a 24 de maio, em Maringá. “Há vários assentamentos que têm essa definição política.” O Valmir Mota é um deles. “Na seleção das famílias, quem veio para cá já foi com esse entendimento. Há, de fato, um amadurecimento sobre a necessidade de se produzir alimentos limpos. Nosso dilema é como organizar a produção para dar renda.”

No caso da Campo Vivo, ainda existe uma contradição, ele admite, à medida que há produtos não orgânicos indo para o mercado. O que exige investimentos na agroindústria e em linhas de comercialização. “Uma tarefa que não é fácil e não deve ser só nossa. Há um processo de conscientização da sociedade de procurar produtos orgânicos. Quando você domina o processo, diminui o custo de produção.”

Colheita premiada

Em Itaberá, vizinha a Itapeva, há 21 anos um grupo de mulheres começou a desenvolver a produção de fitoterápicos, à base de plantas medicinais. Em 2009, foi registrada a Cooperativa de Produtores de Plantas Medicinais da Agricultura Familiar (Cooplantas), com 32 mulheres e dois homens. Em 2013, a Cooplantas foi finalista do prêmio “Mulheres Rurais que produzem o Brasil Sustentável”, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. No local se desenvolve um projeto de reflorestamento, por meio do plantio dessas espécies, em conjunto com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Parte da produção se destina à rede pública, por meio do Sistema Única de Saúde (SUS).

“Essa é uma cultura de nossos avós”, diz a cooperada Nazaré Carvalho, há mais de 20 anos ajudando a organizar a produção. Creme de calêndula, própolis, arnica, pomada de barbatimão, de aroeira ou a chamada ‘milagrosa’. – “O nosso carro-chefe” –, tintura de carqueja, sabonete de mel e própolis, ervas secas… “Tudo é de nossas hortas”, ressalta a alagoana que se orgulha de um enorme mandacaru diante de sua casa. Os produtos são vendidos em feiras livres e universidades. “Tem gente que vem comprar aqui.”

Nordeste persistente

No município de Simão Dias, agreste sergipano, a 100 quilômetros de Aracaju, o assentamento 8 de Outubro – originário de uma ocupação feita em 1997 – ostenta a condição de maior produtor de abóbora da região Nordeste e principal produtor de grãos do estado. Na safra passada, saíram de lá 15 caminhões de 15 toneladas cada, referência usada pelos agricultores para mensurar a produção de abóbora. Outro produto de destaque, o milho, somou mais de 100 mil sacas (de 60 quilos cada). “Não só furamos o bloqueio da comercialização, como viramos referência na região”, diz o assentado Esmeraldo Leal. Ele conta que a “abóbora dos sem-terra” virou uma espécie de selo. “Falar a procedência já era garantia de qualidade.”

Isso estimulou a economia local, acrescenta. Para Esmeraldo, pode-se falar em uma marca antes e depois da entrada dos trabalhadores rurais. “Quem tinha terra abandonada passou a produzir por medo, de ser classificado de improdutivo”, conta. Ele lembra que Simão Dias foi um grande produtor de algodão até meados do século passado, até uma praga, chamada do bicudo (um inseto), dizimar a cultura.

A abóbora in natura segue principalmente para Recife, onde será vendida no Ceasa. O milho vai para casas de farinha de milho e granjas em Pernambuco e na Paraíba. Atualmente a produção de abóbora refluiu por causa de pragas, mas a expectativa é de que volte a crescer. Neste momento, o milho “está dando mais preço” no mercado.

Essa realidade, entretanto, não é uma regra na região. “Em Alagoas, a produção primária que ainda predomina segue desacompanhada de políticas estruturantes, como a agroindústria”, comenta Débora Nunes, do setor de produção do MST. E com suas peculiaridades. A macaxeira, por exemplo, item de destaque, precisa ser vendida no mesmo dia na feira. Assim como o inhame, a batata-doce, o feijão de corda, outros produtos tradicionais. Tem crescido a produção de abacaxi, laranja, maracujá, abóbora, mas Débora ressalta dificuldades de acesso aos programas públicos (PAA e Pnae). “Temos forçado as prefeituras. Mas o grande canal nosso de comercialização são as feiras, onde há fidelização entre nós, que produzimos, e o consumidor”, conta, valorizando a realização, há 14 anos, de uma feira estadual em todo mês de setembro.

Ela, que atua na zona da mata, vê a comercialização também como um dos entraves para o crescimento do negócio entre os pequenos produtores, mas alerta que a falta de compreensão do consumidor também é parte do problema. “A sociedade precisa definir o que quer comer, comida envenenada ou comida saudável.”

Em todo o estado, são 70 assentamentos e 3 mil famílias, predominantemente na zona da mata, e 560 estão no sertão. Entre elas a do assentado Cleilson Moreira da Silva, o Marquinhos. “Ainda falta incentivo do governo federal, estadual e dos municipais”, reitera Marquinhos, instalado no assentamento Maria Bonita, em Delmiro Gouveia (a 300 quilômetros de Maceió), onde 78 famílias cultivam palma (para alimentação de animais), milho, feijão, abóbora, melancia. Ele lamenta que os produtores ainda permaneçam excluídos de políticas públicas. “A gente fica de fora porque é uma burocracia danada para chegar até nós. Os gestores dificultam.”

Sua região vê com boas perspectivas o projeto Plantando Caju, Colhendo Desenvolvimento, com apoio da Petrobras. “Vai dar um salto de qualidade. A gente percebe as famílias com ansiedade.” Hoje, a produção é ainda praticamente toda vendida aos chamados atravessadores, além das feiras livres, de oito em oito dias. Marquinhos – que ficou com esse “apelido” em lembrança de um amigo que morreu – destaca ainda as chamadas feiras da reforma agrária, realizadas periodicamente.

No projeto do caju, a ideia é desenvolver as mudas em um viveiro (de 600 metros quadrados), no próprio assentamento, e organizar uma agroindústria para vender doces e outros produtos. No final de abril, 18 pessoas passavam por um processo de capacitação sob responsabilidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “A região tem potencial para fruticultura, verduras. Precisa de apoio.” Aos 34 anos, Marquinhos nunca deixou o sertão e, com a metade da idade, lembra seu Antônio, lá de Itapeva. “Desde criança eu trabalho na terra. Não sei fazer outra coisa.”

Exemplos de irresponsabilidade

lalo leal

Exemplos de irresponsabilidade

Os limites estão sendo testados pela televisão brasileira, repleta de ‘donos’ de uma liberdade absoluta para dizer qualquer coisa, sem medir as consequências das palavras
Renato Stockler/Folhapress
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É inconcebível que uma concessão pública, outorgada pelo Estado, seja usada contra a sociedade e o Estado

A constatação vale para toda a programação, incluindo a publicidade e o jornalismo. Casos, por exemplo, da propaganda dirigida a crianças e adolescentes e da incitação ao crime perpetrada por uma apresentadora do SBT. Quando a sociedade tenta colocar limites a esses abusos, surgem reações calcadas nos argumentos frágeis da autorregulamentação ou do direito à liberdade de expressão.

Recente resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) voltou a enfurecer anunciantes e publicitários. O órgão, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, proibiu a publicidade dirigida ao público infantil, fazendo cumprir determinações constitucionais e aquelas contidas no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

A resposta dos publicitários veio em manifesto atribuindo apenas ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) o direito de “evitar os abusos da comunicação comercial”. Como se um órgão formado por anunciantes e publicitários pudesse, de forma equilibrada e equidistante, regular a relação da própria atividade com o conjunto maior da sociedade.

Ainda mais quando se sabe do desprezo que o Conar tem pelas demandas do cidadão. Recentemente, o órgão veiculou na TV dois vídeos mostrando situações fictícias de reclamações, numa tentativa grotesca de ressaltar a inconsistência desse tipo de atitude e de ridicularizar quem critica a propaganda mostrada na TV. É preciso lembrar também que o Conar só atua depois de o anúncio ir ao ar, ou seja, depois do estrago feito. Em vários casos, sua atuação não busca proteger o cidadão e sim dirimir divergências entre anunciantes que reclamam de plágios ou da deslealdade de um concorrente.

A proibição determinada pelo Conanda representa um avanço no patamar civilizatório alcançado pelo Brasil. Coloca o país num nível semelhante ao dos países escandinavos, que proíbem totalmente a propaganda dirigida ao público infantil ou de nações como Inglaterra e Alemanha, onde há uma rígida regulamentação do setor.

Se no caso da publicidade não há sentido se falar em censura, uma vez que o anúncio faz parte da mercadoria (assim como o rótulo de qualquer produto), nada tendo a ver com o debate em torno da liberdade de expressão, no jornalismo a questão é mais delicada. Mas nem por isso os abusos podem ser relevados. Como no caso da apresentadora do SBT.
É inconcebível que uma concessão pública, outorgada pelo Estado em nome da sociedade, seja usada contra a sociedade e o Estado. Foi o que ela fez ao dizer que “o contra-ataque aos bandidos é o que chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite. E, aos defensores dos direitos humanos que se apiedaram do marginalzinho preso ao poste, eu lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil, adote um bandido”.

A responsabilidade por esse ataque às instituições não é apenas da apresentadora. É da empresa que a contratou e também dos governos, sempre lenientes diante da mídia, temerosos do poder que ela detém.

A concessão de um canal de TV tem como objetivo a prestação, por particulares, de um serviço público de informação, entretenimento e educação. Não cabe aos concessionários emitir qualquer tipo de opinião. Editorial cabe em jornal impresso, uma atividade privada, e não numa TV locatária de um espaço público privilegiado. O dever das emissoras é o de veicular opiniões divergentes, manifestadas por agentes políticos e sociais, dando ao telespectador a possibilidade de formar a sua própria opinião. Donos das emissoras e apresentadores não receberam da sociedade nenhum mandato para opinar sobre o que quer que seja e devem ser democraticamente impedidos de agir assim.

Racionamento, palavra proibida

Racionamento, palavra proibida

Governo de São Paulo faz malabarismo para não oficializar rodízio de água durante Copa e perto de eleições. Na prática, população já sofre os cortes
por Diego Sartorato publicado 17/05/2014 12:47
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RODÍZIO JÁ OMEÇOU
Em seu bar na zona Norte, Antônio tem água dia sim, dia não (MARCIA MINILLO/RBA)

Em pronunciamentos oficiais e declarações à imprensa, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), é categórico: não haverá racionamento de água em 2014. A temporada é complicada. A capital será vitrine internacional do país durante a Copa do Mundo e a população decidirá nas urnas, em outubro, se mantém com o tucano – como ocorre desde 1995 – a chave do Palácio dos Bandeirantes, sede governo paulista. A realidade, porém, se impõe. Diante da pior estiagem desde o início das medições, há 84 anos, o Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de água de 8 milhões de pessoas na região metropolitana de São Paulo, começou o ano com apenas 27% de seu volume útil; no fim de abril, minguava abaixo dos 11%.

De acordo com o grupo de acompanhamento formado pela Agência Nacional de Águas (ANA), o estadual Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), a estatal paulista de saneamento Sabesp e órgãos municipais, o volume útil do reservatório pode se esgotar em julho, e o “volume morto”, reserva abaixo da altura de captação das bombas da Sabesp, que começa a ser explorado para abastecimento agora em maio, segura a demanda da Grande São Paulo por mais quatro meses, no ritmo atual de consumo.

Desde fevereiro, quando reconheceu publicamente o estado de emergência nas reservas de água do estado, o governo pendulou entre medidas consideradas de inúteis a ilegais. Entre elas, o uso de um avião monomotor para “bombardear”­ nuvens sobre o Cantareira na tentativa de “forçar” a chuva; o desconto de 30% na conta de água para quem reduzir o consumo em 20%; a ideia de ligar o Sistema Cantareira a outros reservatórios de água para compensar a vazão reduzida; e a proposta de multar em 30% sobre o valor da conta de água quem aumentar o consumo em relação ao mês anterior.

Esta última, antes mesmo de ser oficializada, já causou reação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que considera a multa ofensiva ao Código de Defesa do Consumidor pelo fato de o governo não ter tomado medidas para evitar a situação de escassez. “O governo do estado tem conhecimento desde 2002 dos níveis preocupantes dos reservatórios de água e, no entanto, não adotou, na velocidade necessária, medidas como a diminuição das perdas físicas de água (perto de 25% da água tratada é perdida na rede de distribuição)”, diz o Idec, em nota. O instituto pede também “postura mais proativa” do governo estadual. “A responsabilização deve ser coletiva e, mesmo que a população venha a sofrer com o racionamento, que também tem seus inconvenientes, este já deveria ter iniciado”, diz o gerente técnico do Idec, Carlos Thadeu de Oliveira.

Na prática

Enquanto a situação se agrava, o racionamento já é realidade em áreas da capital, em cidades da região metropolitana, como Osasco e Guarulhos, e da região de Campinas, no interior. Em São Paulo, ofício assinado em 15 de abril pelo secretário municipal de Governo, Chico Macena, revela que a pressão da água que chega à cidade está caindo em até 75% durante a madrugada, dificultando a chegada a locais com elevação do solo superior a 10 metros – afetando cerca de 260 mil pessoas que vivem em Tucuruvi e Tremembé­, bairros da zona norte.

O caso de Guarulhos é parecido, porém mais grave: a cidade tem uma empresa municipal de tratamento e abastecimento, mas compra água da Sabesp por atacado, um investimento de cerca de R$ 100 milhões por ano. No entanto, como a população local não alcançou os resultados esperados pelo governo estadual com a campanha de descontos na conta, em março, a Sabesp reduziu o volume vendido à cidade. Com a responsabilidade de iniciar um rodízio no fornecimento, o prefeito Sebastião Almeida (PT) disse à época que foi avisado por um e-mail do corpo técnico do governo estadual que teria de aplicar o racionamento a 850 mil pessoas com apenas dois dias de antecedência.

Em Guarulhos, 1 milhão de moradores enfrentam abastecimento inconstante. As cidades da região de Campinas e de Piracicaba vivem situação similar, depois que o volume total de água fornecido para a região, onde vivem 3 milhões de pessoas, foi reduzido de 5 mil para 3 mil litros por segundo, em março.

Manipular os valores da conta de água para induzir um tipo de “racionamento voluntário” ou proibir a menção à palavra “racionamento” a cada anúncio de ações do governo não é suficiente para lidar com a situação. E a falta de água já causa reações irritadas da população. Em 21 de abril, moradores dos bairros Cachoeirinha e Vila Marina realizaram um protesto na Avenida Coronel Sezefredo Fagundes. Um ônibus foi queimado antes de as cerca de mil pessoas presentes ao ato serem dispersadas pela polícia.

“Aqui a água começou a vir esbranquiçada, mas deve ser bom, né? Para matar as bactérias”, diz a aposentada Alzira Fernandes, 71 anos, moradora dessa região da zona norte desde que nasceu. “Passei mal do estômago um tempo atrás, e o médico disse que podia ser a água.” Como sua casa não tem caixa, ela é imediatamente afetada todas as vezes que falta água, o que não acontece com seus vizinhos que têm reservatório em casa. “Minha sobrinha mora ao lado da minha casa, mas lá não faltou. Aqui eu fiquei sem algumas vezes no último mês”, conta.

Alzira, mesmo sem caixa d’água, tem menos problemas do que os moradores dos morros que se erguem de ambos os lados da avenida. O motorista Bruno César, de 27 anos, que possui caixa, enfrenta problemas constantes de desabastecimento. “Durante a semana retrasada inteira (de 6 a 12 de abril), a água acabava às 22h e só voltava às 6h. Aqui, quem demorava para ir tomar banho à noite corria o risco de ir pro trabalho sem se lavar no dia seguinte. Tivemos de juntar água para não ficar sem”, diz. “No domingo daquela semana, a água parou às 11h30 da manhã e só voltou perto de 23h. Depois deu uma normalizada, mas a pressão continua meio baixa.”

Comerciantes de diferentes perfis sentem na pele as consequências da seca. Edison Ivanov, proprietário de uma cantina em área de classe média do Tucuruvi está antecipando o fechamento da cozinha há cerca de duas semanas por conta do corte de água à noite. “Começou a acabar a água às 23h30, aí começou a acabar às 22h, e agora às 21h30 já seca a torneira. Normalmente volta às 6h, 7h, mas, em um domingo, só voltou 11h45 e eu quase perdi uma reserva para o almoço”, conta. Na porta do restaurante, uma placa avisa aos clientes que a falta de água é responsável pelo fechamento mais cedo, e sugere: “beber vinho pode”.

A situação é similar à de Marco Antônio Nunes da Silva, proprietário de um bar aos pés da comunidade do Parque Ramos Freitas, a pouco menos de dois quilômetros de distância do restaurante de Ivanov: “Ainda bem que vendo engarrafados aqui”, afirma Silva. “Há um mês, estamos passando três dias da semana sem água; é dia sim, dia não. O mesmo na minha casa, mas lá tenho caixa d’água. No bar, não, então a torneira fica seca. Ainda não tive prejuízo financeiro, mas tenho de incomodar os vizinhos para buscar baldes para lavar os copos”, diz. “O maior problema é que a Sabesp nunca avisa quando vai haver falta de água, então não podemos nem nos precaver”, lamenta.

Relatos semelhantes se repetem em reclamações postadas diariamente na página da Sabesp no Facebook. Aos questionamentos, a empresa tem respondido que os problemas são decorrentes de manutenção no sistema; quando não há justificativa, solicita mais informações e diz que encaminhará resposta aos usuários.

A Revista do Brasil busca com porta-vozes da Sabesp e DAEE informações oficiais sobre o estresse hídrico em São Paulo desde fevereiro, mas teve suas solicitações ignoradas. O Ministério Público também encontra dificuldades para obter uma explicação formal: levou um mês para conseguir informações oficiais do DAEE­, e até 23 de abril aguardava posicionamento oficial da ANA e da Agência Reguladora de Saneamento de Energia de São Paulo (Arsesp).

O Ministério Público quer que o racionamento seja instituído de forma oficial no estado. “Não temos informação técnica que indique se a próxima estação de chuvas será normal ou seca, como a deste ano. Não temos informações sobre o planejamento das agências envolvidas, estaduais e federais, para recuperar o Sistema Cantareira após esse período de desabastecimento. A situação é grave e, até agora, o racionamento é a medida técnica mais adequada para garantir a saúde da população e o equilíbrio ambiental dos mananciais”, lamenta o promotor Ivan Carneiro Castanheiro, do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) de Piracicaba.

Há três inquéritos em andamento por parte dos Gaemas de Piracicaba e Campinas, da promotoria do meio ambiente do Ministério Público Estadual e do Ministério Público Federal, e a falta de prestação de contas sobre o caso pode inspirar uma ação de improbidade administrativa contra o governador Alckmin.

Em 25 de abril, o Consórcio PCJ, que representa 43 municípios e empresas baseados nos mananciais dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí realizou protesto cobrando do estado a decretação de calamidade pública.

OMM alerta para que países se preparem para o El Niño

OMM alerta para que países se preparem para o El Niño

Organização Mundial de Meteorologia disse que fenômeno climático deve estar 80% estabelecido entre outubro e dezembro; período é associado a secas e alagamentos em diversas partes do mundo; Brasil deve sofrer com fortes secas no norte e cheias no sul.

 


Imagem: Organização Mundial de Meteorologia

 

Edgard Júnior, da Radio ONU em Nova York.

A Organização Mundial de Meteorologia, OMM, fez um alerta para que os países se preparem para enfrentar o El Niño.

Segundo a agência da ONU, o fenômeno climático deve atingir 60% de sua capacidade entre julho e agosto e pode chegar a 80% entre outubro e dezembro.

Secas e Enchentes

De acordo com o aviso do Serviço Nacional Meteorológico e Hidrológico, vários governos começaram a se preparar para enfrentar o problema, que é associado a secas e enchentes em escala regional em diversas partes do mundo.

Além disso, o El Niño tem uma influência no aumento das temperaturas globais.

A OMM explica que o fenômeno climático é caracterizado por um aquecimento fora do normal das águas do oceano Pacífico, que ocorre em períodos que podem variar de dois a sete anos. A última temporada do El Niño aconteceu entre 2009 e 2010.

Brasil

No Brasil, os meteorologistas afirmam que o país vai sofrer com secas mais rigorosas do que o normal nas regiões norte-nordeste e com cheias também mais fortes do que o comum no sul do país.

Mas a OMM diz que os efeitos do El Niño são sentidos da Indonésia, Filipinas e Austrália aos Estados Unidos e Canadá.

Durante o inverno no hemisfério norte, entre dezembro e março, o fenômeno costuma causar o aumento das temperaturas em regiões frias do Alasca e do Canadá. Ao mesmo tempo, ocorrem tempestades mais fortes, principalmente na área do Golfo do México.

EcoDebate, 02/07/2014


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Mapa da Violência 2014 mostra aumento e disseminação da violência no Brasil

Mapa da Violência 2014 mostra aumento e disseminação da violência no Brasil

 

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No total, 56.337 foram vítimas de homicídio. Arquivo/Agência Brasil 

Em 2012, 112.709 pessoas morreram em situações de violência no país, segundo o Mapa da Violência 2014, divulgado ontem (2). O número equivale a 58,1 habitantes a cada grupo de 100 mil, e é o maior da série histórica do estudo, divulgado a cada dois anos. Desse total, 56.337 foram vítimas de homicídio, 46.051, de acidentes de transporte (que incluem aviões e barcos, além dos que ocorrem nas vias terrestres), e 10.321, de suicídios.

Entre 2002 e 2012, o número total de homicídios registrados pelo Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, passou de 49.695 para 56.337, também o maior número registrado. Os jovens foram as vítimas em 53,4% dos casos, o que mostra outra tendência diagnosticada pelo estudo: a maior vitimização de pessoas com idade entre 15 e 29 anos. As taxas de homicídio nessa faixa passaram de 19,6 em 1980, para 57,6 em 2012, a cada 100 mil jovens.

Segundo o responsável pela análise, Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos da Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, ainda não é possível saber “se o que ocorreu em 2012 foi um surto que vai terminar rapidamente ou se realmente está sendo inaugurado novo ciclo ou nova tendência”. Ele lista situações que podem ter gerado o aumento, como greves de agentes das forças de segurança ou ataques de grupos criminosos organizados.

Uma tendência já confirmada é a disseminação da violência nas diferentes regiões e cidades. Entre 2002 e 2012, os quantitativos só não cresceram no Sudeste. As regiões Norte e Nordeste experimentaram aumento exponencial da violência. No Norte, por exemplo, foram registrados 6.098 homicídios em 2012, mais que o dobro dos 2.937 verificados em 2002. O Amazonas, Pará e Tocantins tiveram o dobro de assassinatos registrados no mesmo intervalo de tempo. No Nordeste, o Maranhão, a Bahia e o Rio Grande do Norte mais que triplicaram os homicídios.

Na década, o Sul e o Centro-Oeste tiveram incrementos percentuais de 41,2% e 49,8%, respectivamente. No Sudeste, a situação foi mais variada, com diminuição significativa em estados importantes, como o Rio de Janeiro e São Paulo.  Já em Minas Gerais, os homicídios cresceram 52,3% entre 2002 e 2012.

As desigualdades são vivenciadas entre as regiões e também dentro dos estados. Nenhuma capital, em 2012, teve taxa de homicídio abaixo do nível epidêmico, segundo o Mapa da Violência. Todas as capitais do Nordeste registraram mais de 100 homicídios por 100 mil jovens. Maceió, a mais violenta, passou dos 200 homicídios. No outro extremo, São Paulo, com a menor taxa entre as capitais, ainda assim registra o número de 28,7 jovens assassinados por 100 mil.

O balanço da década mostra, contudo, que não é possível afirmar que há tendência comum de crescimento. Entre 2002 e 2012, as capitais evidenciaram queda de 15,4%, com destaque para meados dos anos 2000, quando a redução foi mais expressiva, o que, segundo o organizador, comprova que a situação pode ser enfrentada com políticas públicas efetivas.

Capa da publicação do Mapa da Violência 2014
Capa da publicação do Mapa da Violência 2014. Arquivo/Agência Brasil 

Em cidades do interior, o número tem crescido. Jocobo disse que são especialmente os municípios de pequeno e de médio porte os que têm sofrido com a nova situação. Ele cita dois possíveis motivos para isso: por um lado, o investimento financeiro em políticas públicas nos grandes centros urbanos, como Rio e São Paulo, ajudaram a diminuir a violência. Por outro, houve o desenvolvimento de novos polos econômicos no interior, que atraíram investimentos e também criminalidade, “sem a proteção do Estado como nas outras cidades”.

Se o país precisará esperar alguns anos para verificar o comportamento das taxas de homicídios, no caso dos acidentes de transporte há pouca ou quase nenhuma dúvida, dado o crescimento dos registros, à revelia das leis de trânsito que, na década de 1980, foram responsáveis pela redução desses acidentes.

As principais vítimas, segundo o estudo, são os motociclistas. Em 1996, foram 1.421 óbitos. Em 2012, 16.223. A diferença representa cerca de 1.041% de crescimento. Há “uma linha reta desde o ano de 1998, com um crescimento sistemático de 15% ao ano”, conforme a pesquisa.

Segundo o sociólogo responsável pela publicação, a situação é fruto “de um esquema ideológico que apresentou a motocicleta como carro do povo, por ser econômica, de fácil manutenção”. Assim, “em vez de se investir em transporte público, o trabalhador pagaria sua própria mobilidade”. E mais, fez dela o seu trabalho, seja como motoboy, entregador ou mototaxista, “em situação de escassa educação no trânsito, pouca capacidade de fiscalização e baixa legislação”, avalia Julio Jacobo Waiselfisz.

Ao todo, foram registradas 46.051 mortes por acidentes de transporte em 2012,  2,4% a mais que em 2011. Os dados oficiais reunidos para o estudo mostram que ocorreram, naquele ano, 426 mil acidentes com vítimas, que devem ter ocasionado lesões em 601 mil pessoas. A situação “é muito séria e grave”, alerta o autor do trabalho, que destaca que é preciso lembrar que “o cidadão tem o direito a uma mobilidade segura e é obrigação do Estado oferecê-la”.

O suicídio também teve aumento na taxa de crescimento. Diferentemente das outras situações, a elevação vem se dando desde os anos 1980. Conforme o relatório, o aumento foi 2,7% entre 1980 e 1990; 18,8%, entre 1990 e 2000; e 33,3%, entre 2000 e 2012. Nesse caso, a idade das pessoas envolvidas é também menos precisa. Tanto jovens quanto idosos têm sido vítimas.

Com a publicação do estudo, feito com o apoio da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Secretaria Nacional de Juventude e da Secretaria-Geral da Presidência da República, espera-se, conforme o texto, “fornecer subsídios para que as diversas instâncias da sociedade civil e do aparelho governamental aprofundem sua leitura de uma realidade que, como os próprios dados evidenciam, é altamente preocupante”.

Por Helena Martins, da Agência Brasil.

EcoDebate, 03/07/2014


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Mais econômicas, lâmpadas fluorescentes podem causar danos ambientais e à saúde

Mais econômicas, lâmpadas fluorescentes podem causar danos ambientais e à saúde

Incandescentes de 60 watts começam a ser substituídas pelos modelos fluorescentes. Iniciativa deve prever reciclagem para evitar poluição ambiental e riscos à saúde.

Já fora de circulação na Europa, as lâmpadas incandescentes também estão com os dias contados no Brasil. A partir desta terça-feira (01/07), as de 60 watts deixam de ser fabricadas e importadas. As mais fortes já foram proibidas, e as mais fracas sairão de produção em 2015. Se, por um lado, a iniciativa tem por objetivo economizar energia, por outro pode causar danos ambientais e à saúde.

Para que a substituição das lâmpadas incandescentes pelas fluorescentes seja vantajosa em todos os aspectos, ela precisa vir acompanhada da destinação final correta dos novos modelos, que contêm chumbo e mercúrio. Se simplesmente jogadas no lixo comum, as lâmpadas fluorescentes podem contaminar o ar, o solo e os lençóis freáticos.

O mercúrio e o chumbo são extremamente tóxicos e prejudiciais à saúde. O mercúrio tem um efeito cumulativo no organismo, ataca o sistema nervoso e pode resultar em má formação embrionária, câncer e até morte. O chumbo também causa câncer e ataca o cérebro, os rins e os sistemas digestivo e reprodutor.

“Todos esses problemas podem ocorrer quando há um incentivo ao uso das lâmpadas fluorescentes sem os cuidados com a destinação correta”, afirma a professora de química ambiental Marta Tocchetto, da Universidade Federal de Santa Maria.

Segundo ela, que também faz parte da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), só 6% das lâmpadas fluorescentes são recicladas no Brasil. A grande maioria vai parar no lixo comum.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) prevê que os fabricantes das lâmpadas fluorescentes sejam responsáveis pela coleta e pelo destino final adequado desses produtos. “Mas até agora não houve a finalização de um acordo entre governo e empresas, pois a dificuldade está em quem vai pagar por esse processo”, diz Tocchetto.

O Ministério do Meio Ambiente, que é o responsável pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, não respondeu à consulta feita pela DW sobre o tema.

Substituição foi criticada na Alemanha

Na Europa, a substituição das lâmpadas incandescentes começou em 2009, e a última leva foi proibida em 2012.

Na Alemanha, a medida foi muito criticada. Consumidores reclamavam da luz gerada pelos modelos mais econômicos, considerada mais fria. As críticas também focavam na questão ambiental e de saúde. Havia uma preocupação com relação ao mercúrio contido nas lâmpadas fluorescentes.

“O importante nessa história é informar as pessoas sobre o que elas estão comprando. Elas precisam saber que as lâmpadas fluorescentes possuem uma quantidade mínima de mercúrio e precisam saber o que acontece quando uma lâmpada dessas quebra”, diz Thomas Fischer, da organização ambientalista Deutsche Umwelthilfe.

Lâmpadas fluorescentes contêm mercúrio e chumbo

A reciclagem está prevista na Alemanha, mas, quando as lâmpadas fluorescentes queimam, é o consumidor que deve levá-las aos pontos de recolhimento da prefeitura ou às lojas que as recolhem. “Nós ambientalistas vemos problemas aí, porque muitos desses pontos estão abertos somente alguns dias da semana e em poucos horários, além de serem longe dos centro das cidades”, diz Fischer, acrescentando que, até o ano que vem, uma lei deve ser votada para obrigar o comércio a recolher esse material.

Um estudo da organização, de 2011, afirma que a troca de 60% das lâmpadas incandescentes seria suficiente para reduzir em 4,5 milhões de toneladas as emissões de dióxido de carbono no país. Somente na Alemanha, essa substituição tinha um potencial de economia de 22 bilhões de quilowatts-hora, o equivalente a duas pequenas usinas movidas a carvão.

Economia de energia

No Brasil, os estoques das lâmpadas incandescentes de 60 watts, as mais comuns no país, ainda podem ser vendidos durante um ano. A substituição gradual das incandescentes pelas fluorescentes foi estabelecida em 2010 pelo governo federal e faz parte do Plano Nacional de Eficiência Energética, que pretende combater o desperdício de energia e preservar os recursos naturais.

Em 2012 foram proibidas a fabricação e a importação das lâmpadas incandescentes de até 150 watts; em 2013, das de 61 a 150 watts; e, agora, das entre 41 e 60 watts. Em 2015, será a vez das lâmpadas de 25 a 40 watts e, em 2016, das demais.

Segundo o professor de engenharia elétrica Edson Watanabe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a iniciativa contribui significativamente para a economia de energia. “As lâmpadas incandescentes são ineficientes porque transformam apenas 5% da energia que consomem em luz. O resto vira calor”, diz.

O diretor técnico da Associação Brasileira da Indústria de Iluminação, Isac Roizenblatt, calcula o que a mudança representa para o bolso do consumidor. “Na substituição de uma lâmpada incandescente de 100 watts por uma fluorescente compacta de 23 watts, por exemplo, a economia é de cerca de 30 reais em mil horas de utilização, ou aproximadamente um ano.”

Apesar de avaliar positivamente a política de troca das lâmpadas, Watanabe reforça que o descarte das fluorescentes tem que ser controlado. “É preciso também uma campanha de conscientização para evitar que elas sejam jogadas fora de qualquer jeito, porque realmente podem causar problemas.”

Matéria de Clarissa Neher, da Deutsche Welle, DW.DE, reproduzida pelo EcoDebate, 03/07/2014


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Em 2014, o mundo tem um califado islâmico. Como isso foi possível?

Oriente Médio

Em 2014, o mundo tem um califado islâmico. Como isso foi possível?

No Iraque e na Síria surge o resultado mais extremo do ciclo de violência, pobreza e autoritarismo existente no Oriente Médio
por José Antonio Lima publicado 30/06/2014 14:56, última modificação 30/06/2014 16:24
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AFP
Estado Islâmico do Iraque

Imagem mostra o que seria a execução de soldados iraquianos por integrantes do Estado Islâmico do Iraque e da Síria, em 14 de junho, na província de Salahuddin

No domingo 29, o grupo ultrarradical Estado Islâmico do Iraque e da Síria anunciou a criação de um califado, com o objetivo de governar todas as populações muçulmanas. Por enquanto, o estado islâmico recém-inaugurado se estende do norte da Síria ao Iraque oriental, mas seu projeto é territorialmente ilimitado. A ideia de reeditar o califado é um delírio de extremistas, mas ajuda a mostrar a gravidade daquele que se tornou o problema central para a segurança do Oriente Médio.

Como mostra a reportagem de capa de CartaCapital que está nas bancas desde a sexta-feira 27, o Estado Islâmico do Iraque e da Síria, conhecido pelo acrônimo ISIS, é uma herança da desastrosa ocupação do Iraque liderada pelos Estados Unidos em 2003. Uma das falsas alegações da administração George W. Bush para invadir o Iraque era a suposta ligação entre o regime de Saddam Hussein e a Al-Qaeda. Essa conexão jamais existiu, mas a organização terrorista de Osama bin Laden eventualmente se instalou no país, graças ao vácuo administrativo e de segurança provocado pela política americana de desmantelar o Exército montado por Saddam Hussein e dissolver o Baath, partido que o sustentava no poder.

A origem

Com o Estado iraquiano falido, o país virou polo atrativo para jihadistas do mundo todo e inúmeros grupos militantes passaram a ter mais liberdade para agir. Neste período, cresceu a violência entre a minoria sunita, que até então estava no poder por meio de Saddam Hussein, a maioria xiita, oprimida pelo ditador, e os curdos, também reprimidos. Entre os grupos violentos sunitas estava o Jama’at al-Tawhid wal-Jihad, liderado pelo jordaniano Abu Musab Al-Zarqawi. Em 2004, em sua campanha contra a comunidade xiita, Zarqawi jurou lealdade a Bin Laden e transformou sua facção na Al-Qaeda no Iraque.

O braço iraquiano da Al-Qaeda se notabilizou pelos métodos intensamente violentos empregados na guerra civil ocorrida no Iraque em 2006 e 2007. As atrocidades contra xiitas, curdos, sunitas e estrangeiros eram tão grandes que alienaram também as populações sunitas do Iraque. Sob a coordenação dos EUA, diversas tribos iraquianas se engajaram no que ficou conhecido como Despertar Sunita, e passaram a combater a Al-Qaeda no Iraque ao lado das tropas regulares iraquianas e das forças ocidentais. A campanha resultou no recuo da Al-Qaeda e em uma importante, mas não definitiva, redução na violência sectária no país.

A hostilidade à Al-Qaeda provocou também mudanças de estratégia na liderança local do grupo. No fim de 2006, após o assassinato de Zarqawi, em um bombardeio americano, a Al-Qaeda no Iraque passou a ser conhecida como Estado Islâmico do Iraque. Não era apenas uma troca de nome. O grupo estava abandonando a “marca” Al-Qaeda e também a luta global, para se concentrar na causa iraquiana.

A questão síria

A chamada Primavera Árabe mudou os planos. Assim como na Tunísia e no Egito, a Síria teve, a partir de março de 2011, inúmeras manifestações populares contra o regime de Bashar al-Assad. O ditador alegava que não eram manifestações legítimas, mas promovidas por terroristas. Assad estava errado, mas logo ficou claro que sua profecia era autorrealizável. A repressão promovida por ele, em conjunto o financiamento de milícias anti-Assad pelos países do Golfo Pérsico, fez a Síria tomar do Iraque o posto de polo atrativo de jihadistas.

Desde 2010 sob a liderança de Abu Bakr al-Baghdadi, o Estado Islâmico do Iraque cruzou a fronteira, enviou inúmeros jihadistas para combater Assad e ajudou a formar a Frente al-Nusra, braço da Al-Qaeda na Síria. Em 2013, Baghdadi anunciou a fusão dos dois grupos – Estado Islâmico do Iraque e Frente al-Nusra – sob o nome Estado Islâmico do Iraque e da Síria, ISIS. A aliança não duraria muito.

Em guerra contra todos

Hoje, o ISIS tem uma atuação transnacional. Atua tanto no Iraque quanto na Síria, e vem registrando inúmeros ganhos territoriais.

No Iraque, o principal foco de violência é a província de Anbar, no oeste do país. Líderes tribais sunitas, abandonados pelo governo do xiita Nouri al-Maliki após o Despertar Sunita, combatem o governo central com a alegação de que são marginalizados. Ao lado deles, mas com uma causa global, está o ISIS. Melhor armado e preparado, o grupo tem tomado várias cidades iraquianas, sendo a principal delas Fallujah, que desde janeiro segue sob domínio dos extremistas. Em seu caminho, o ISIS deixa um rastro de violência extrema, que inclui execuções em massa e até mesmo crucificações.

Na Síria, o ISIS combate tanto o governo Assad quanto outras milícias sunitas que lutam para destituir o regime sírio. Parece um contrassenso, mas, pelo ponto de vista de Abu Bakr al-Baghdadi, não é. Como sua causa é global, o ISIS busca firmar seu domínio sobre os jihadistas de todos os tipos. Prefere, assim, atacar agora outros extremistas e deixar a batalha contra Assad para o futuro. Graças a esta estratégia, o ISIS entrou em confronto a Frente al-Nusra e com a liderança global da Al-Qaeda.

A declaração de fundação do califado, desta forma, é também uma tentativa de reivindicar a liderança do jihadismo global. Na declaração pública transmitida pela internet em cinco línguas, o ISIS, que agora deseja ser chamado unicamente de Estado Islâmico, pediu a lealdade de todos os jihadistas do mundo e também de todos os muçulmanos.

A “fundação” do Estado Islâmico escancara os problemas do Oriente Médio. Normalmente, os conflitos na região têm origem nas diferenças entre dois blocos. Em um deles estão os aliados dos Estados Unidos, como Israel, Arábia Saudita e as monarquias do Golfo. No outro está o Irã, o grupo libanês Hezbollah e o regime Assad. Hoje, a disputa entre esses dois blocos é uma das principais causas a impedir o surgimento de governos inclusivos e democráticos na Oriente Médio, e o que acontece no Iraque e na Síria é exemplo claro disso. O ISIS nada mais é que o resultado extremo do desespero existente no Oriente Médio. Eventualmente, o grupo será esfacelado, pelos EUA, pelo Irã ou por uma união entre os dois. Mas a ideia da Al-Qaeda e do jihadismo global continuará viva. Se o terreno fértil de pobreza, autoritarismo e violência em que ela se desenvolve não for tornado infrutífero, novos grupos como esse continuarão a surgir.