Archive for 7 de julho de 2017

Prepare-se: Se o “Fora, Temer!” cair, assume o “Fora, Maia!”

leia no original:  https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/

Leonardo Sakamoto

 O mercado acredita na imortalidade das reformas. Nessa crença, se Temer voltar ao pó, elas reencarnarão rapidamente no corpo do próximo semovente que ocupe a cadeira do Palácio do Planalto sem o voto popular.

Porque qualquer um que se candidatasse para o cargo em uma eleição direta e tivesse sua proposta de governo debatida de forma aberta, não seria eleito caso defendesse a redução estrutural da proteção aos trabalhadores da ativa e do aposentados, que é a tônica de reformas como a Trabalhista e da Previdência.

Até agora Temer está cumprindo a agenda de redução do Estado de bem-estar social (razão pela qual o poder econômico o ajudou a se manter lá), mas também evitar qualquer medida que faça com que os ricos também paguem pela crise. Nada de taxar dividendos, aumentar o imposto de renda dos mais ricos e isentar a classe média, aumentar os impostos sobre heranças e taxar grandes fortunas, barrar a farra dos subsídios e os programas de refinanciamento de grandes sonegadores de impostos.

Ao prometer ao poder econômico e à velha política (que tenta sobreviver diante dos desdobramentos da Lava Jato) que seria a pessoa perfeita para o serviço, contribuiu com o aprofundamento da desigualdade social e com a proteção aos corruptos.

Se for abandonado pelos deputados federais, que perceberam que a proximidade a ele pode afetar a chance de reeleição no ano que vem ou mesmo a salvação da Lava Jato a quem se encontra enrolado, Temer poderá ser afastado do cargo por até 180 dias se a Câmara aceitar a abertura de processo contra ele por corrupção, atendendo à denúncia realizada pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribuna Federal.

A substituição, temporária ou permanente, por Rodrigo Maia já foi levada em conta pelo mercado. Como presidente da Câmara dos Deputados, ele tem sido um defensor ferrenho da redução dos direitos dos trabalhadores e um bastião da proteção ao patronado, mais até do que Michel Temer. Chegou ao disparate de cravar a inutilidade da Justiça do Trabalho em um país em que a herança da escravidão é sentida diariamente nas relações de trabalho.

Capitaneou, sem pudores, o resgate de um projeto antigo, aprovando a terceirização de todas as atividades de uma empresa e deixando portas abertas para fraudes. E possibilitou que a proposta inicial da Reforma Trabalhista, ruim, porém mais curta e objetiva, que veio do governo federal se transformasse em um monstrengo que afetará imediatamente a qualidade de vida de boa barte da população economicamente ativa. Monstrengo que teve a influência direta de associações empresariais e magistrados pró-mercado.

É claro que Rodrigo Maia como presidente da Câmara dos Deputados é uma coisa e na Presidência da República seria outra. Pois não se contentará em buscar a reeleição, tentando voos mais altos. E as composições e concessões que terá que fazer no poder também são maiores do que aquelas possibilitadas pelo mercado de votos de parlamentares. Mas, ao que tudo indica, vai encarnar a batalha pró-capital de forma ainda mais aguerrida que Temer.

A troca do atual ocupante da Presidência pode ter se tornado necessária para garantir que este período de limbo de representatividade política não seja desperdiçado. Muitos ainda querem que este ano seja usado para refundar a República. Mas, ao invés de garantir que essa repactuação passe por uma Reforma Política que reinvente a representatividade e reforce a democracia, busca-se reduzir o poder de fiscalização e de regulação do Estado ou mesmo de sua presença e ação em nome da competitividade.

Neste momento, em que Temer deixa de ser visto como uma ferramenta útil e passa a ser encarado como um entrave, há um esforço para tentar blindar Henrique Meirelles e sua equipe econômica a fim de garantir uma transição segura para o próximo governo – quando continuarão a tocar esse mesmo projeto.

E quando a política é subordinada completamente à economia, não apenas Nicolau Maquiavel se remexe no túmulo, mas a democracia se torna uma farsa.

Assim que as gravações realizadas por Joesley Batista se tornaram públicas, foi surpreendente a velocidade com a qual aliados e opositores, grandes empresários, o mercado financeiro nacional e internacional, movimentos e organizações que o apoiam absorveram e processaram as denúncias contra Michel Temer. Mesmo sem os áudios, estabeleceu-se um consenso de que era preciso trocá-lo. E rápido. Naquele dia, uma reunião para decidir os próximos passos após sua queda foi organizada na casa de Rodrigo Maia.

Da mesma forma que Temer também organizou esse tipo de reunião quando era o próximo da linha sucessória de Dilma Rousseff. ”Aliados” em Brasília não se importam em fazer missa de corpo presente com o defunto ainda respirando.

Quando instituições nacionais estão esgarçadas e desacreditadas, a melhor maneira de combater a escalada de violência de Estado e convulsões sociais é devolver ao povo o direito de escolher diretamente um novo mandatário para governá-lo. Só o povo é capaz de repor a legitimidade que o país precisa.

Qualquer uma das saídas para a crise, sejam eleições diretas ou indiretas para um período tampão na Presidência da República, tem seus problemas – considerando o cenário de instabilidade em que estamos. Nenhuma é perfeita. Mas diante do que está posto, o restabelecimento da vontade popular em detrimento das necessidades de um grupo político e de um grupo econômico é a opção que traria melhores frutos.

A opção por reiniciar o sistema não deve ser tomada pensando no melhor caminho para levar o candidato A ou B ao poder. Deve ser defendida, independentemente de quem ganhe, à esquerda ou à direita. Pois o objetivo para todos os que se preocupam com a democracia, neste momento, deveria ser destravar um país.

Citado em delações da Odebrecht, Maia não é sangue novo. Pelo contrário, é apenas a próxima reencarnação para o mesmo projeto econômico e político, a nova aposta para que as promessas feitas ao mercado sejam entregues antes de eleições diretas. Ou seja, antes do retorno de uma democracia plena.

Com isso, não haverá a estabilidade necessária para o apaziguamento social e o retorno do crescimento econômico Mais provável é que aprofunde a desigualdade e a injustiça social.

Por conta dessa defesa intransigente dos interesses do mercado e dos grandes empresários em detrimento ao bem-estar do resto da sociedade, a única certeza é que, junto à população e aos movimentos sociais, o ”Fora, Temer!” deve dar lugar ao ”Fora, Maia!”.

“Há muita amargura e ressentimento na classe média”

leia no original:  https://brasil.elpais.com/brasil/2017/06/27/cultura/1498577124_706748.html

No livro “A Sociedade do Medo”, o sociólogo alemão Heinz Bude aborda o crescente medo de errar como o traço que define o nosso tempo

 

“Há muita amargura e ressentimento na classe média”
PATRICIA SEVILLA CIORDIA

Não devemos subestimar os medos, e sim aceitá-los e dar nome a cada um deles. Porque todos temos medos, e cada vez maiores, segundo Heinz Bude (Wuppertal, 1954). O reconhecido sociólogo alemão aborda no livro A Sociedade do Medo (em tradução livre) os temores quase infinitos que penetraram sigilosamente na classe média europeia. Fala do medo da rejeição social, de ficar sozinho e de cair uma vez alcançado o objetivo. Dos medos que não nascem de circunstâncias objetivas, e sim do contato com os outros, numa sociedade que, segundo este professor de Macrossociologia da Universidade Kassel, exige cada vez mais do indivíduo. Numa varanda na beira de um lago nos arredores de Berlim, Bude cita Franklin D. Roosevelt (“o homem que compreendeu que abordar o medo é a chave da felicidade pública”): “Não devemos ter medo do medo.”

PERGUNTA. O senhor diz que os europeus se tornaram muito ansiosos. Por que agora, numa época de relativa prosperidade?

RESPOSTA. Na Alemanha e no restante da Europa, muita gente viveu um período de promessas: se você trabalhasse, teria um bom futuro; com esforço e um pouco de sorte, poderia chegar lá. Para os que nascemos em meados dos anos cinquenta, essa promessa funcionou. Não é a vida que tínhamos sonhado, mas não é ruim. O problema é que, para muita gente, já não há uma promessa na qual acreditar.Cada pessoa está sozinha e é responsável por si mesma. A ideia de promessa foi substituída pelo medo.

P. Medo de quê?

“Muitas pessoas já não têm uma promessa na qual acreditar. Cada um está sozinho e é responsável por si mesmo”

R. De não ser o primeiro, de ser relegado. O problema é que as exigências e os medos cada vez se estendem mais. Já não é só o medo de fracassar no trabalho. É também o de escolher o parceiro errado, falhar como pai… O indivíduo é cada vez mais exigido. Agora é preciso ter inteligência emocional, e até para morrer é preciso fazer a coisa certa. A pessoa tem que saber aceitar a morte em vez de temê-la. O medo te acompanha até o final. Os recursos que seus pais te deixaram, inclusive a herança intelectual, podem te ajudar, mas não garantem que você vai conseguir, que não cairá em desgraça. Isso gera muita ansiedade. Não basta ter uma boa educação ou boa renda para ter status social, pois em qualquer momento você pode cair. Na sociologia, a questão do status adquiriu muita importância.

P. E nem sempre foi assim?

R. Pode ser que tenha sido assim ao longo da História, mas a diferença é que agora somos mais conscientes. Além disso, observamos que isso afeta pessoas cada vez mais jovens. A filosofia do medo é estudada desde meados do século XIX, mas agora é uma característica presente na maioria das pessoas. Você tem que viver por si mesmo e escolher: em função de quê? Não há nada. Existe um sentimento de vazio muito amplo; é o nada.

P. O senhor fala do ressentimento social no livro, dizendo que ele já deveria ter sido superado nas sociedades modernas e supostamente meritocráticas.

R. Há muita amargura e ressentimento em nossa classe média. Gente que pensa que merece mais e que sua experiência não importa a ninguém. Por isso, quando vem alguém e te diz “você está amargurado, eu sei por que e te conto a verdade”, funciona. Isso explica o triunfo de Trump, porque o populismo tem uma explicação emocional. As pessoas se perguntam: “O que fiz de errado? Me esforcei, fiz o que esperavam de mim e, no entanto, me sinto deslocado.”

P. O senhor falava antes das pessoas jovens, que são cada vez mais conscientes da angústia social. Mas elas não tiveram tempo de se amargurar nem de se decepcionar.

R. Têm medo de fracassar. É a subjetividade moderna. A ideia de si próprio com relação aos demais. Os outros como o nosso inferno. Estamos rodeados de gente que observa como vivemos nossa vida segundo parâmetros de meritocracia ampliada a muitos aspectos da vida, com exigências muito maiores e mais difusas. Chamo isso de lost in perfection (presos na perfeição).

“Não é só o medo de fracassar no trabalho, mas também de escolher o parceiro errado”

P. Existe o medo de ser rejeitado e de não chegar. Mas o que acontece quando conseguimos? Quando alcançamos nossa aspiração social?

R. Nessa hora, sabemos que há muita gente atrás de nós esperando nosso erro. Mesmo que você conseguir o seu objetivo, o medo não te abandona.

P. O senhor diz que uma alternativa é optar pelo conformismo.

R. Há duas vias. Você pode se refugiar na espiritualidade ou no conformismo, mas, na verdade, a ideia de ironia, de que pode brincar de se conformar, já não funciona. Além disso, esses não são os caminhos corretos porque há uma certa verdade no medo – e por isso não devemos esquivá-lo. Não se trata de agitar o medo, mas de civilizá-lo, de encontrar fórmulas e rituais, maneiras de comunicá-lo e normalizá-lo. Se você sente que não está sozinho com suas angústias, cria-se uma certa solidariedade. Provavelmente precisemos de novos vocábulos para o medo, mais ajustados ao nosso tempo. E também deveríamos começar a rir outra vez, retomar a fórmula tradicional de lidar com isso.

P. Qual o papel do gênero em tudo isso? Há muita literatura sobre o quanto se exige das mulheres e a falta de autoestima que elas desenvolvem porque sentem que não chegam.

R. É que os sistemas que um dia já foram chamados de famílias mudaram e foram substituídos por uma negociação permanente. As mulheres não estão dispostas a adotar papéis tradicionais. Isso faz com que seja preciso deliberar e alcançar compromissos, o que não é fácil. E os homens não são muito competentes na hora de chegar a um consenso.